Lembram-se da reforma em curso que desconcentra poderes da Administração Central para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), anunciada como preparação do país para um eventual processo de regionalização? Não há como pegar no que está a acontecer na área da Cultura, com a reorganização de competências da Direção-Geral do Património Cultural e a extinção das direções regionais, para se perceber melhor o quanto o Governo, na verdade, foge a sete pés da valorização das regiões.
O ministro Pedro Adão e Silva anunciou a criação de uma empresa pública, sediada em Lisboa, para fazer a gestão dos museus e monumentos nacionais, e de um instituto público, com sede no Porto, para salvaguardar o restante património. Vamos colocar exemplos que ajudem a perceber o modelo: o Castelo de Guimarães e o Paço dos Duques passam da alçada da Direção Regional da Cultura do Norte para a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, enquanto o Mosteiro de Arouca é transferido da mesma direção regional para o instituto público Património Cultural.
E para as CCDR, o que sobra? Um presente envenenado: a burocracia dos processos administrativos de licenciamento. Ao contrário do que se esperaria, não vão gerir monumentos nem dispor de receitas por eles gerados, até porque os mais lucrativos ficam centralizados na empresa pública. Dito de outra forma, aquilo que até agora era gerido na escala regional, ao nível das direções regionais, passa a ser gerido a partir de Lisboa, ao bom estilo centralista que o Governo anuncia pretender combater. Ou, noutra parcela, a partir do Porto, num serviço deslocalizado que, ainda assim, continua a ser centralizado.
No mínimo, percebe-se que o Governo desconfia da capacidade de gestão das CCDR, o que não deixa de ser grave face às intenções anunciadas com a nova lei orgânica. E, mais do que isso, o Governo volta a dar sinais daquilo que já aqui foi escrito noutras ocasiões. Descentralização e desconcentração, na lógica do princípio de subsidiariedade previsto na Constituição e no programa do Governo, são princípios que muito poucos ministros querem ver concretizados. Na altura de passar das promessas aos atos, o que se encontra é sempre uma forma de recentralizar. Para quem nos governa, o poder está sempre melhor em Lisboa.
* Inês Cardoso - Jornal de Notícias - 2.7.2023
O ministro Pedro Adão e Silva anunciou a criação de uma empresa pública, sediada em Lisboa, para fazer a gestão dos museus e monumentos nacionais, e de um instituto público, com sede no Porto, para salvaguardar o restante património. Vamos colocar exemplos que ajudem a perceber o modelo: o Castelo de Guimarães e o Paço dos Duques passam da alçada da Direção Regional da Cultura do Norte para a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, enquanto o Mosteiro de Arouca é transferido da mesma direção regional para o instituto público Património Cultural.
E para as CCDR, o que sobra? Um presente envenenado: a burocracia dos processos administrativos de licenciamento. Ao contrário do que se esperaria, não vão gerir monumentos nem dispor de receitas por eles gerados, até porque os mais lucrativos ficam centralizados na empresa pública. Dito de outra forma, aquilo que até agora era gerido na escala regional, ao nível das direções regionais, passa a ser gerido a partir de Lisboa, ao bom estilo centralista que o Governo anuncia pretender combater. Ou, noutra parcela, a partir do Porto, num serviço deslocalizado que, ainda assim, continua a ser centralizado.
No mínimo, percebe-se que o Governo desconfia da capacidade de gestão das CCDR, o que não deixa de ser grave face às intenções anunciadas com a nova lei orgânica. E, mais do que isso, o Governo volta a dar sinais daquilo que já aqui foi escrito noutras ocasiões. Descentralização e desconcentração, na lógica do princípio de subsidiariedade previsto na Constituição e no programa do Governo, são princípios que muito poucos ministros querem ver concretizados. Na altura de passar das promessas aos atos, o que se encontra é sempre uma forma de recentralizar. Para quem nos governa, o poder está sempre melhor em Lisboa.
* Inês Cardoso - Jornal de Notícias - 2.7.2023