A indústria da gestação de substituição na Ucrânia tem sido alvo de muitas críticas por explorar as ucranianas que estão numa situação vulnerável. A guerra tem empurrado ainda mais mulheres para serem barrigas de aluguer.
O conflito armado na Ucrânia não tem feito mossa na indústria da gestação de substituição no país. Apesar de o processo ser legal na maioria dos estados norte-americanos, continua a ser proibido em grande parte da Europa e em muitas outras partes do mundo, o que tem levado a que muitos casais procurem barrigas de aluguer noutros países.
Apesar da guerra com a Rússia, a indústria de gestação de substituição da Ucrânia continua em expansão. No caso da BioTexCom, há centenas de histórias e relatos na internet de famílias felizes com o serviço. No entanto, poucos detalhes podem ser encontrados sobre queixas anteriores e problemas com as autoridades ucranianas envolvendo a BioTexCom.
Por exemplo, em 2018 e 2019, os procuradores ucranianos obtiveram uma ordem judicial para colocar Albert Tochilovsky, fundador da BioTexCom, em prisão domiciliária por suspeitas de tráfico de crianças, juntamente com alegações de evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
Uma investigação do órgão de comunicação alemão WELT também descobriu várias queixas de casais que recorreram aos serviços da BioTexCom. Um casal alemão alega que a BioTexCom trocou os seus gémeos gerados por gestação de substituição com os de outro casal, forçando-os a trocar os bebés num encontro secreto na Alemanha, explica o Politico.
Outra mulher alemã relata que a empresa nunca devolveu todos os seus embriões depois de ter cancelado os planos para uma gestação de substituição. O WELT também entrevistou ex-procuradores, gestantes substitutas e activistas na Ucrânia que acusam a BioTexCom de não fornecer cuidados médicos adequados às mulheres que deram à luz os bebés.
Tanya, uma norte-americana de 45 anos, diz também que pagou 10 mil euros e enviou dois embriões para a BioTexCom há seis anos. Depois de enviar os seus embriões, disseram-lhe que seriam imediatamente implantados.
Alguns dias depois, a empresa informou Tanya que a transferência do embrião tinha sido mal sucedida e adiantou poucos detalhes sobre o motivo. A norte-americana suspeitou que a agência estava a esconder algo e as suspeitas subiram ainda mais quando o seu marido foi a Kiev perceber o que se passou e uma funcionária imediatamente agradeceu a doação dos seus embriões para outro casal. Desde então, a BioTexCom deixou de responder às mensagens do casal.
Tochilovsky garante que as preocupações da Tanya sobre os seus embriões terem sido doados a outro casal são “totalmente falsas“. “A qualidade do material era absolutamente fraca — não faz sentido usarmos os embriões para outro casal.”
No caso dos gémeos alemães, Tochilovsky culpou a maternidade em Kiev. “Dois casais tiveram os seus gémeos nascidos ao mesmo tempo e, infelizmente, o pessoal misturou as crianças. Foi o único caso, e controlamos cuidadosamente todos os processos”, realça.
“Não fiquem como eu fiquei”
O WELT entrevistou sete gestantes substitutas ucranianas da BioTexCom, sob a condição de anonimato. A maioria disse que se arrepende da sua decisão. Tatiana, uma mulher de 41 anos da cidade de Chernihiv, no norte da Ucrânia, revela que desenvolveu vários problemas de saúde após a sua gravidez em 2014-2015.
“Eu olho para as pessoas que querem sair da pobreza e ir para o programa para ganhar dinheiro, comprar uma casa e quero alertá-las para que não fiquem como eu fiquei”, afirma.
A mulher acusa os os funcionários da BioTexCom de rirem quando lhes pediu ajuda para pagar a medicação necessária. Em 2018, juntou-se a outras ex-gestantes de substitutação e denunciou a empresa ao Ministério Público, mas o caso nunca chegou à Justiça.
Tatiana adianta que os médicos removeram o seu colo do útero, útero e ovários. Desde então, já passou por 20 tratamentos de radiação e começou a quimioterapia para o cancro. “Eu tive doenças do estômago, bexiga, rins, baço”, conta.
“Façam bebés, não guerra”
O conflito armado tem levado a que mais mulheres ucranianas aceitem ser barrigas de aluguer. Se o tema já era polémico ainda antes da guerra, estas preocupações foram agora exacerbadas, com muitos a questionar se é ético os casais estrangeiros aproveitarem-se das circunstâncias desesperadas das ucranianas.
A BioTexCom, no entanto, tem também incorporado a guerra na sua estratégia de marketing, onde pinta uma imagem de casais estrangeiros que arriscam tudo ao viajarem para uma zona de guerra para poderem ser pais. A empresa lançou ainda uma campanha para “Fazer bebés, não guerra”.
Os documentos da agência entre 2014 e 2017 mostram ainda uma grande assimetria entre os valores pagos às gestantes na Ucrânia em comparação com outros países. As mulheres recebiam entre 100 e 200 euros por cada transferência de embrião e as doações de óvulos custavam 500 euros por óvulo. Como termo de comparação, cada óvulo pode render até 10 mil euros nos Estados Unidos.
De acordo com os dados da empresa divulgados em Fevereiro, já 600 famílias tinham usado os seus serviços desde o início da guerra na Ucrânia. Se cada casal tiver pago em média 50 mil dólares, a BioTexCom terá feito 30 milhões de dólares.
Mudança na lei?
A aproximação da Ucrânia ao Ocidente acelerou com o início da guerra, com Kiev mais perto de se juntar à União Europeia ou à NATO. O actual sistema de gestação de substituição no país pode por isso ter os dias contados, com as autoridades de Bruxelas a pressionar o Governo para apertar com as leis no sector.
Em Abril, foi redigida uma lei que proíbe a oferta destes serviços a estrangeiros, mas ainda não se sabe quando será debatida, já que as questões directamente relacionadas com a guerra têm sido priorizadas.
“O problema está na nossa própria legislação. Não garante a protecção dos direitos da mãe, nem a protecção dos direitos da criança. Em geral, esta área praticamente não é regulamentada. E é por isso que as clínicas sem escrúpulos beneficiam”, considera o ex-procurador Yuriy Kovalchuk.
* Adriana Peixoto, ZAP // 24 Julho 2023