23.7.23

OPINIÃO: Gestão corrente

 
Cavaco Silva foi o primeiro-ministro do betão e do asfalto. O país precisava. Era estratégico. Guterres teve o amor e a paixão pela Educação e pela Ciência. Deixou marcas. O mesmo não se pode dizer do curto mandato de Durão Barroso, ou do ainda mais curto de Santana Lopes. Sócrates tinha planos para o digital e as renováveis, que hoje, reconheça-se, se revelaram estratégicos. Passos Coelho não teve outro remédio a não ser pôr as contas direitas. E António Costa?
Juntou a Esquerda. Fez os portugueses sentirem que a vida podia melhorar, em anos de reposição de rendimentos e crescimento económico. E teve ao fim de tantos anos de governação uma maioria absoluta, que já leva mais de um ano.
Sucede que a Nação é ingrata, dizem, o povo tem memória curta, dizem, e vive da contagem dos dias para o fim do mês. Hoje, depois de uma crise sanitária, e a sobreviver à inflação, tudo o que está para trás conta pouco, como parece evidenciar o estudo de opinião da Aximage que o JN, a TSF e o DN publicam.
As razões que explicam o ceticismo dos portugueses não assentam apenas no estado geral do país, que a maior parte dos inquiridos considera mau ou muito mau. Assentam no espetáculo degradante a que muitos dos políticos em geral nos brindam, e que levam ao crescimento dos extremismos, mas sobretudo na perceção de que os problemas persistem: o custo de vida, os rendimentos baixos, o Serviço Nacional de Saúde, em suma, a ausência de perspetivas de futuro.
Nem a habitação, apontada como a reforma das reformas, finalmente aquela que seria uma marca de António Costa, resiste ao olhar crítico dos sondados, porque uma coisa é o rol de intenções, outra a efetividade. E essa demora, porque começou tarde e a más horas, porque faltou visão.
António Costa tem em simultâneo três pacotes de fundos europeus para gerir. Pode ter já para o ano um orçamento expansionista. Pode e deve ter um Governo fresco, remodelado não para fazer frente a Marcelo Rebelo de Sousa, mas porque o país precisa.
Sobretudo, o que o primeiro-ministro precisa mesmo é de fazer caminho para deixar uma herança positiva, se não for pelo país, pelo menos por vaidade histórica. Porque as perceções boas duram pouco. E as más perduram.
* Domingos de Andrade - Jornal de Notícias -20 julho, 2023