Em comunicado, a Federação Nacional dos Médicos considera que a municipalização da saúde “coloca em causa o acesso aos cuidados de saúde primários” e impõe um “difícil peso financeiro aos municípios” tendo como “objetivo final a privatização dos serviços de saúde”.
O processo de transferência de competências na área da Saúde para as autarquias e entidades intermunicipais, concretizado pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, determinava a transferência, até 31 de março de 2022, de responsabilidades, no que diz respeito à construção, gestão, manutenção e conservação das infraestruturas, serviços de apoio logístico e de uma parte dos recursos humanos (assistentes operacionais) nos cuidados de saúde primários. De acordo com o comunicado da FNAM, “no final de março apenas 28% dos municípios tinham aceitado estas competências”.
A federação considera que a municipalização da saúde fará com que as pessoas fiquem “reféns” da capacidade “política e técnica” dos municípios onde residem para negociarem os orçamentos necessários, “para a concretização dos investimentos em instalações e equipamentos e respetiva manutenção, e da sua preparação na gestão dos recursos humanos indispensáveis para a efetivação do seu direito à saúde”. Esta situação faz com que a universalidade e a equidade no acesso à saúde, previstas na Constituição da República Portuguesa, fiquem em “xeque".
Salvar o Serviço Nacional de Saúde
A FNAM alerta também para o risco de este processo levar à “competição entre municípios, ao invés da desejável colaboração entre entidades públicas” podendo acarretar também a “adoção de medidas populistas desgarradas, apenas com objetivos eleitoralistas, fragmentando as políticas de saúde para ir ao encontro das conveniências e dos interesses locais”.
Cuidados de saúde primários e carreiras em risco de privatização
A FNAM mostra-se preocupada com a “possibilidade de abertura de um processo conducente à privatização” dos cuidados de saúde primários. Esta é uma realidade “há muito desejada pelos grupos económicos privados”, através da concretização das Unidade de Saúde Familiares (USF) modelo C, inicialmente com gestão partilhada pelas autarquias e no futuro exclusivamente privada.
Se vierem a concretizar-se estas USF de gestão privada, a equidade no acesso à saúde “ficaria ainda mais em causa”, considera a FNAM, “contribuindo para uma maior desresponsabilização” do Ministério da Saúde das suas obrigações quanto à prestação de cuidados transversais e abrangentes à população.
A federação recorda que, numa primeira fase, irá proceder-se à transferência dos assistentes operacionais para a esfera dos municípios. Esta transferência será uma “rampa de lançamento” para se proceder de igual modo com as demais carreiras da saúde (médicos, enfermeiros, secretários clínicos e técnicos superiores de saúde), à semelhança do aconteceu noutros países. Assim sendo, “num futuro próximo” os diversos profissionais do SNS deixariam de o ser para passarem a ser trabalhadores dos municípios ou de entidades privadas.
“Estamos, assim, perante um processo histórico e de cariz profundamente ideológico, com o objetivo de confundir descentralização da Administração Pública com o verdadeiro desmembramento e pulverização do SNS, de desenvolvimento de lógicas meramente locais desinseridas de uma política de saúde nacional e de criação de uma enorme sobrecarga logística e financeira para os municípios, com os serviços de saúde que os negócios privados não considerarem apetecíveis”.
“A FNAM opõe-se frontalmente a este ataque aos pilares essenciais do Estado Social e ao comprometimento do bem-estar futuro da população, pelo que desenvolverá todos os esforços para contrariar a desagregação do SNS, pugnando pela unidade, universalidade, equidade e qualidade nas políticas, serviços e profissionais de saúde em Portugal” conclui a federação médica.