20.2.22

NISA: Conheça os Poetas do Concelho (IX) - Maria Pinto


Os tempos que já lão vão 
Ao recordar-me o passado
Dos tempos que já lá vão
Como tudo demudou
E me causa admiração

Quando eu era criança
Passei tormentos de dor
Pois só havia pobreza
Com maus tratos, que horror.

Comíamos pão de centeio
Às vezes tão trigueirinho
Era dado por medida
E molhado num caldinho

Deixava-se na bacia
Um caldinho de feijão
Com uma pinga de azeite
Molhava-se o pão.

Era para nós alegria
Ver-se tal "petisquice"
A carne andava de férias
Para os pobres era triste

Lá havia algum fidalgo
Que comia pão de trigo
Lá matavam um porquinho
Isso não era comigo

Eu sonhava por aviar
Um recado às vizinhas
Ia na esperança de me darem
P´ra comer melhor coisinha

O comer era tão fraco
Que tudo nos sabia bem
Era tempo de miséria
Pobre não tinha vintém

Andávamos trabalhando
Desde que rompia o dia
Cantando lindas cantigas
Era p´ra nós uma alegria

Lá dormíamos toda a semana
A cama era palha e giesta
Como isto demudou
Não há vida como esta

Andávamos por lá semanas
Às moitas e a mondar
À bolota e azeitona
Sempre havia que remar

Depois ia-se cavar milho
Sachar grande milharada
Era de manhã à noite
A puxar pela enxada

Tinha o patrão duas partes
E a gente tinha só uma
Inda diziam alguns
- O tabaco é p´ra quem fuma!

Enchiam os seus celeiros
Com o suor dos desgraçados
Trabalhava-se noite e dia
Por dez réis de mel coado.

Quando se andava nas colheitas
Davam cozinha aos criados
Pois o trabalho era duro
E sentiam-se enfadados.
Maria Pinto