A trágica tourada em Coruche, que provocou quatro feridos e levou ao abate de um cavalo, reacendeu a polémica em torno dos espetáculos tauromáquicos.
Sem novidade, os argumentos dos aficionados voltaram a fazer-se ouvir. "É uma tradição, faz parte da cultura, é uma profissão". Mas estes fundamentos, concorde-se ou não, são os mesmos usados pelos defensores do circo com animais. Se assim é, como explicar que a Assembleia da República rejeite abolir as touradas se, no ano passado, aprovou um diploma que pôs fim ao uso de animais selvagens no circo? Não faz sentido proibir o trabalho dos "parentes pobres" e não proibir o dos "parentes ricos".
O argumento de que a tauromaquia é parte da cultura popular portuguesa, e que é dever do Estado proteger as manifestações culturais, cai por terra quando estes espetáculos terminam com pessoas feridas e com animais mortos. Já o argumento que as touradas são um espetáculo violento, e que implicam sofrimento real, sai reforçado depois das cenas tristes na arena de Coruche. Mesmo que António Costa admita referendos locais e diga que a tourada faz parte da "identidade de alguns concelhos", pois percebe que pode depender do PAN para a formação de uma eventual maioria parlamentar depois das eleições legislativas de outubro, o que distingue circos de touradas é exclusivamente a influência política, nacional e regional.
Até lá, as touradas continuarão a ser protegidas sob um escudo de atividade cultural com direito a tempo de antena na televisão pública. E certo é que, na próxima legislatura, BE e PAN voltarão a insistir na proibição das touradas. Como é certo que a radicalização do discurso de acérrimos defensores dos animais não serve para nada. Muito menos para a defesa dos direitos dos animais, a não ser que também queiram fazer parte do circo.
Manuel Molinos in Jornal de Notícias - 12/7/2019