1. E ao segundo dia de uma greve dos motoristas de matérias perigosas, que estava a ter entre nula e escassa atenção, instalou-se o caos. A greve por melhores salários teve uma adesão de 100%, o que talvez nos diga qualquer coisa sobre a sua justeza. Ao final da manhã, começaram a surgir as notícias de que os aeroportos de Lisboa e Faro iriam ficar sem combustível, ameaçando deixar os passageiros em terra. Ao final da tarde, assistiu-se à corrida desenfreada aos postos de combustível, ao ponto de deixar centenas deles a seco em poucas horas. O Governo também foi em crescendo na aflição. Confrontado com o incumprimento dos serviço mínimos, decretou a requisição civil, depois juntou-lhe o chavão da "situação de alerta" e, finalmente, o rótulo da "crise energética". Até o INEM deu um contributo para a sensação de pânico, pedindo aos portugueses prioridade no abastecimento. Foi tudo muito rápido, é certo, mas fica a sensação de que o Governo, que é quem tem a responsabilidade de evitar que o país entre em colapso, foi apanhado com o depósito na reserva.
2. A Notre-Dame de Paris foi palco de fogo e o Mundo assistiu ao drama em direto pela televisão. No final, as chamas lá se apagaram, com os tesouros da cristandade a salvo. Não morreu ninguém, mas, emocionados, os mais ricos entre os mais ricos de França logo anunciaram donativos às centenas de milhões. Nada contra a generosidade. Mas vale a pena notar que a solidariedade é maior para resgatar pedras do que gente. Por exemplo, as 4130 pessoas que vivem no precário Centro de Acomodação de John Segredo, em Sofala, Moçambique. "Ali tudo é feito no chão: a comida, a dormida, a espera, até a esperança está ao nível basilar do chão - e o chão é escuro, sujo, esfacelado e polvoroso", escreveu, no JN, o jornalista José Miguel Gaspar. Palavras que, definitivamente, não impressionam os Bettencourt-Meyers, Arnault e Pinault deste mundo.
Rafael Barbosa in "Jornal de Notícias" - 17/4/2019