Ode ao Cantador Alentejano (1955)
A terra deu-te cansaços,
prendeu-te as mãos à charrua,
lavrou-te em sulcos o rosto.
E tu, cantador, de braços
abertos à luz da lua,
quentes pelo sol de Agosto,
sentes na dor que te espanta
subir-te a alma à garganta,
à cor morna do sol-posto.
E a canção nasce, e é tanta
a tristeza que a possui,
que em alma a dor se dilui
num monótono desgosto...
“Pus-me a chorar saudades
ao pé da fonte, um dia...”
(Quem faz badalar Trindades
com tanta melancolia?)
“Mais choravam os meus olhos
que água da fonte corria...”
(Calai vossas mágoas fundas,
sinos de Santa Luzia!)
Vamos, cantador, levanta
à lonjura que te aguarda
a voz colorida e nobre
- que é tua a Terra-Mãe parda
e o céu azul que te cobre!
Vamos, cantador, não temas:
soltar à planura deserta
a voz que não quer algemas,
serenamente liberta
na noite que te circunda:
que o coração é mais forte
e a seiva borbulha funda!...
A terra deu-te cansaços.
Mas na largueza dos prados,
sob os mudos sobreirais,
marcas ao som de compassos
e ritmos cadenciados
o ondular dos trigais,
a fundura dos cabeços
e o verde dos olivais!
E a canção, tornada ânsia,
passeia o cume dos montes,
galga o azul da distância,
enche os largos horizontes.
.......................................
Deus deu-te esta terra nua,
que é terra de todos nós,
e quando a mágoa te espanta
sobe-te a alma à garganta
e sai transmudada em voz!...
Domingos Janeiro (1955)
In A Planície, Ano V, nº 96, Moura,
1/7/1956
Foto: Salavessa (20/4/2019) - Mário Mendes