É a festa que mais fala ao coração dos nizorros.
Assim se refere José Francisco Figueiredo à Romaria da Senhora da Graça, na sua
“Monografia da Notável Vila de Nisa” publicada em 1956.
E, prossegue. “Ela atrai
às pitorescas colinas – onde foi Nisa-a-Velha – as radiosas mocidades da nossa
terra, e até os velhos não deixam de ir ali rememorar, com terna saudade,
tempos que já ficam longe e não mais voltam”. De acordo com este autor, até 1718, a Romaria da Senhora
da Graça começava em Nisa, percorrendo os romeiros, em procissão, os quatro
quilómetros que distam de Nisa à Senhora da Graça. Foi a partir daquele ano que
a procissão começou a organizar-se junto da ermida da Senhora dos Prazeres,
como ainda hoje é feita.
O professor José F. Figueiredo descreve, depois, todo o
enquadramento festivo da romaria que, conta, começava logo ao amanhecer com o
repicar dos sinos da Matriz e do relógio, que se confundiam com “as girândolas
estralejantes dos foguetes. Às 9 horas, novos repiques e logo os acordes da
filarmónica anunciavam a partida dos romeiros. Pouco depois, quase toda a
população se ponha a caminho da ermida da Padroeira, calcorreando os quatro
quilómetros do percurso com a prazenteira disposição.A pouco e pouco, as capelas
(Senhora da Graça, Senhora dos Prazeres e Fiéis de Deus) e suas adjacências
iam-se apinhando de densa multidão, tomando lugar, depois a procissão, que
partia da Senhora dos Prazeres e seguia, entre alas compactas de povo, pela
encosta, até ingressar na capela da Senhora da Graça, já repleta de
devotos.Missa cantada e sermão. Depois, arraial, bailes em todos os adros e
alpendres e, não raro, desordens a que a força armada tinha de pôr termo" .O
regresso da romaria não era menos interessante, como escreve JF Figueiredo.
“Os
lavradores, acompanhados das consortes, que lhes cingiam o tronco com um dos
braços, lá vinham nas suas éguas, esperançados na protecção da Virgem para o
bom êxito das searas; as donzelas ombradas com os seus derriços, a idealizarem
as venturas do próximo himeneu; os que, saudosos de outras romagens em época
distante, foram relembrar dúlcidos momentos de prazer; os que a crença moveu a
pedir e a agradecer; e todos alegrando os quatro quilómetros do trajecto, com a
policromia do esbelto trajar, a gárrula vivacidade dos verdes anos ou o
optimismo irradiante de sorrisos de maturidade.A chegada dos romeiros a Nisa
era assinalada pelo estrondear dos foguetes e mais repiques."
E enquanto a
filarmónica animava o burgo com a estridência de vivo passo-dobrado e os sinos
do relógio prestavam a última homenagem do Município à padroeira, o jogo da
pela – como no dia anterior – organizava-se nos lugares do costume, e toda a
mocidade passava o resto da tarde em amistoso convívio e sadia diversão.” Nos
bailes da romaria, animados pela jovialidade das moças de Nisa, Pé da Serra e
outras aldeias próximas, nunca faltam as tradicionais quadras populares em
honra da Virgem. Como estas que aqui deixamos:
VAMOS À ROMARIA
É dia de Romaria
É mais um dia que passa
Vamos lá com alegria
A Nossa Senhora da Graça
Eu sou um pobre emigrante
Que nunca esqueço este dia
E vim de terra distante
É dia de Romaria.
Vim a pé com devoção
Para te pedir a tua graça
E rezo minha oração
É mais um dia que passa.
Quero ir à procissão
Quero louvar este dia
Com amor e devoção
Vamos lá com alegria.
Abençoai os peregrinos
De humildes é nossa raça
Os velhos e os pequeninos
Nossa Senhora da Graça.
Vou a pé à Romaria
Rezando pelo caminho
Senhora dai-me alegria
Sou um pobre peregrino.
Fernando da Graça Pestana
A Romaria da Senhora da Graça através da História (I)
- Carta ao Regente da Philarmonica Nizense
Tendo
logar no dia 3 do proximo mes d´abril a festividade de Nª Sª da Graça, convido
a Philarmonica a cargo de Vª Sª a
assistir à mesma festividade. As obrigações consistem, segundo o costume, em
tocar no dia 2 à noite à porta dos Paços do Concelho e no dia 3 cantar a missa
e tocar em arraial à porta da ermida de Nª Sª.
Deus
guarde a Vª Sª - Niza, 29 de Março de 1893.
O vice
-presidente da Camara: Manuel Caetano de Barros Castello Branco
- Carta ao Parocho da Matriz d´esta Villa
Para os
devidos effeitos tenho a honra de levar ao conhecimento de Vª Sª que no dia 3
do proximo mez d´abril se ha de celebrar a festividade de Nª Sª da Graça e que
será feita segundo o costume.
Deus
guarde Vª Sª - Niza, 29 de Março de 1893
O vice-presidente
da Camara: Manuel Caetano de Barros Castello Branco
NOTA: Por estes documentos se provam que a organização da Romaria da Senhora da Graça (e da Senhora dos Prazeres) e as respectivas celebrações religiosas era feita pela Câmara Municipal, que assegurava, aliás, a manutenção e reparações necessárias nas três ermidas (com a dos Fiéis de Deus). Foi assim até meados dos anos 40 do século passado, quando uma imposição do Ministério das Finanças - em cumprimento das directivas do Governo que obrigavam a passar para a posse da Igreja todos os edifícios cultuais - determinou a entrega desses imóveis por parte da Câmara.
A autarquia sob a presidência do Dr. José Beato Caldeira Miguéns ainda "resistiu" durante dois anos, adiando, como pode, legalmente, a passagem desses bens de culto - que tanto diziam aos nisenses - para as mãos do Estado e destas para a Igreja. Mas, reafirmamos, o que sempre temos dito: a Senhora da Graça (tal como a dos Prazeres) nunca pertenceu à Igreja e nunca foi tida nem achada nos pretensos conflitos e "roubos" existentes em tempos históricos como a Revolução Liberal ou a Implantação da República. Os documentos existentes atestam-no de forma insofismável. Esta é a verdade sobre a Senhora da Graça que todos os nisenses devem conhecer.
Mário Mendes