FLOR
DA LIBERDADE
Sombra
dos mortos, maldição dos vivos.
Também
nós... Também nós... E o sol recua.
Apenas
o teu rosto continua
A
sorrir como dantes,
Liberdade!
Liberdade
do homem sobre a terra,
Ou
debaixo da terra.
Liberdade!
O
não inconformado que se diz
A
Deus, à tirania, à eternidade.
Sepultos
insepultos,
Vivos
amortalhados,
Passados
e presentes cidadãos:
Temos
nas nossas mãos
O
terrível poder de recusar!
E é
essa flor que nunca desespera
No
jardim da perpétua primavera.
Poema
de Miguel Torga (in "Orfeu Rebelde", Coimbra: Edição do autor, 1958 –
p.52-53; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000,
2.ª edição, 2002 – p. 560)
Neste
aniversário (o quadragésimo terceiro) da eclosão da Revolução dos Cravos, que
devolveu a Liberdade a Portugal, apresentamos o poema "Flor da
Liberdade", de e por Miguel Torga. O texto veio a lume no ano de 1958, em
plena autocracia salazarista, mas a mensagem não perdeu actualidade. Se
"recusar", naquele tempo, significava contestar e resistir à
opressão, hoje consiste em exercer plenamente a Liberdade. Deixar de exercê-la
– por medo, comodismo ou apatia –, é abrir caminho ao despotismo de uns quantos
sobre todos.