23.4.17

Olival intensivo destrói importante sítio arqueológico no Alentejo

Na área sob influência do Alqueva é cada vez mais difícil conciliar culturas intensivas com a salvaguarda do património.
A preparação de um terreno para plantação de olival super intensivo destruiu, em meados de Março, boa parte de um dos mais importantes “recintos de fossos” da pré-história portuguesa, na freguesia da Salvada, concelho de Beja. Apesar de estar inscrito no Plano Director Municipal (PDM) de Beja como área de sensibilidade arqueológica, este local não se encontra classificado. Na área sob influência do Alqueva é cada vez mais difícil conciliar culturas intensivas com a salvaguarda do património, seja arqueológico ou paisagístico.
Como era costume aos fins-de-semana, J.P. [iniciais de uma testemunha que solicitou o anonimato] fazia uma caminhada pelos arredores da Salvada, seguindo o percurso habitual junto a uma pequena linha de água. Foi então que observou, surpreendido, que “estavam a lascar o terreno” no sítio identificado por “Salvada 10”, onde sabia que se encontravam vestígios arqueológicos, relatou ao PÚBLICO.
Plantar oliveiras sobre um recinto ritual com cinco mil anos
As máquinas “surribavam” (lavra profunda) o solo, para plantar um olival na Herdade Monte da Igreja, deixando expostos materiais arqueológicos. O morador deduziu que certamente “os homens [trabalhadores] desconheciam que o local escondia um grande recFoi precisamente esse conhecimento prévio, adquirido durante uma Caminhada de Cultura organizada pela União de Freguesias de Salvada e Quintos, em Agosto de 2015, que o alertou para as consequências do impacte que estava a ter a “surriba” nos vestígios arqueológicos. Naquele ano, o arqueólogo Miguel Serra conduziu algumas de dezenas de residentes na freguesia ao local para que identificassem um recinto de fossos e a presença de uma grande mancha de materiais pré-históricos.
Foi através dos residentes que Miguel Serra tomou conhecimento e alertou a Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA). Nos esclarecimentos prestados ao PÚBLICO, a responsável da DRCA, Ana Paula Amendoeira, diz que os seus serviços enviaram dois arqueólogos e constataram que tinham sido já realizadas “consideráveis movimentações de terras para implantação de sistemas de rega”. A intervenção estendeu-se a uma “vasta área confinante com o limite sudoeste da aldeia da Salvada, afectando a zona onde se implanta o povoado da Salvada 10 (com cerca de 18 hectares), sítio arqueológico referenciado no PDM de Beja, e a necrópole (da Idade do Ferro) Salvada 11”.
A intensa mobilização de solos deixou “visíveis em diversos pontos do terreno, materiais arqueológicos, nomeadamente fragmentos de cerâmica manual”, acrescenta Paula Amendoeira.
Foi precisamente esse conhecimento prévio, adquirido durante uma Caminhada de Cultura organizada pela União de Freguesias de Salvada e Quintos, em Agosto de 2015, que o alertou para as consequências do impacte que estava a ter a “surriba” nos vestígios arqueológicos. Naquele ano, o arqueólogo Miguel Serra conduziu algumas de dezenas de residentes na freguesia ao local para que identificassem um recinto de fossos e a presença de uma grande mancha de materiais pré-históricos.
Foi através dos residentes que Miguel Serra tomou conhecimento e alertou a Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA). Nos esclarecimentos prestados ao PÚBLICO, a responsável da DRCA, Ana Paula Amendoeira, diz que os seus serviços enviaram dois arqueólogos e constataram que tinham sido já realizadas “consideráveis movimentações de terras para implantação de sistemas de rega”. A intervenção estendeu-se a uma “vasta área confinante com o limite sudoeste da aldeia da Salvada, afectando a zona onde se implanta o povoado da Salvada 10 (com cerca de 18 hectares), sítio arqueológico referenciado no PDM de Beja, e a necrópole (da Idade do Ferro) Salvada 11”.
A intensa mobilização de solos deixou “visíveis em diversos pontos do terreno, materiais arqueológicos, nomeadamente fragmentos de cerâmica manual”, acrescenta Paula Amendoeira.
Os proprietários foram identificados e notificados pela DRCA para suspender a intervenção para que fosse avaliada “a extensão dos danos e ponderadas as medidas correctivas” com a indicação de que a “inobservância de providências limitativas decretadas constitui crime”. Contudo, Paula Amendoeira refere que desconhece “se os proprietários tinham conhecimento do valor patrimonial da área intervencionada”, referenciado no PDM de Beja com um valor arqueológico elevado.
Nestas circunstâncias, significa que “qualquer tipo de intervenção relacionada com infra-estruturas, incluindo as de rega (...), actividades agrícolas e florestais (...), se implicarem impactos significativos ao nível do subsolo, deve ser precedida de trabalhos arqueológicos de caracterização e diagnóstico”. A directora regional conclui que “não foram nem estão a ser aplicadas as medidas previstas no PDM havendo por isso uma violação do mesmo”.
Contudo, a Câmara de Beja alega que desconhecia a intervenção no Salvada 10. Vítor Picado vice-presidente da autarquia garantiu ao PÚBLICO que os serviços municipais “não receberam qualquer pedido para a plantação do olival nem para a instalação do sistema de rega??.
Face à denúncia, a fiscalização municipal foi enviada e confirmou que o tipo de intervenção observado consumava uma alteração do uso do solo que “não estava de acordo com a planta de ordenamento, naquilo que se refere à plantação de olival intensivo em áreas agro-silvo-pastoris” acrescenta Vítor Picado. Como os trabalhos foram efectuados sobre um sítio arqueológico com grau de protecção elevado, esta condição implica a “obrigatoriedade de acompanhamento arqueológico quando há intervenções no subsolo”.
No entanto, a autarquia, confrontada com os critérios existentes no ordenamento do espaço agrícola e ao tipo de intervenção, concluiu que o agricultor que mobilizou o solo “não necessitava de consultar a Câmara de Beja”. Assim sendo, admite o autarca, a intervenção no sítio arqueológico da Salvada 10 “não poderia ter sido previamente detectada”, acrescentando que o município não tem capacidade para garantir a fiscalização do património em todo o concelho. Mesmo depois de confirmada a infracção, o vice-presidente reconhece que a câmara “não tem competência para exercer as medidas sancionatórias”.
Perante o avolumar de contradições, a comunicação à Direcção Regional de Agricultura do Alentejo aguarda resposta.
Perplexo com a situação ficou, igualmente, Bruno Cantinho sócio gerente da empresa que procedeu à “surriba” no sítio arqueológico da Salvada 10, e que garantiu que foi o PÚBLICO o primeiro a informá-lo de ter colocado máquinas num sítio onde há património arqueológico. “É a primeira vez que alguém me fala que ali havia condicionantes” afiança.
“Fizemos apenas o que a lei nos permite ou seja: para plantar olival não necessitamos de autorização”, até porque o espaço intervencionado “sempre foi trabalhado desde que se faz agricultura no local”, assinala. Mas assegura que a intervenção efectuada na Salvada 10 implicou rasgos na terra que “não ultrapassaram os 30/40 centímetros. Apenas alterámos a morfologia do terreno”, observa.
Sítio protegido pela EDIA é destruído pelo regadio
A Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) foi alertada no início da década pelo arqueólogo António Valera para a existência de um importante recinto de fossos junto à freguesia da Salvada, com quase 20 hectares de área. O sítio arqueológico ia ser atravessado pela rede de rega do circuito hidráulico Baleizão-Quintos.
Sensibilizada pela importância do achado, a EDIA alterou o traçado da rede de rega para manter intacto o recinto de fossos da época calcolítica. Decorridos poucos anos, boa parte da estrutura arqueológica foi arrasada pelas máquinas que abriram sulcos no solo para plantar olival superintensivo, alegando o autor da intervenção desconhecer o que ali se encontrava.
Mas não foi por escassez de informação que a destruição do sítio da Salvada 10 aconteceu. As instituições oficiais, Câmara de Beja, Direcção Regional da Cultura do Alentejo e ministérios da Agricultura e do Ambiente, tinham conhecimento do valor do sítio.
Premonitório foi o alerta deixado em 2011 pela Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental do Circuito Hidráulico de Baleizão-Quintos que realçava o “grau de destruição observado nos sítios arqueológicos localizados em áreas de olival intensivo, recentemente plantado e recorrendo a métodos que alteram significativamente a morfologia da paisagem bem como a orografia”.
Os técnicos alertaram para a mobilização do solo que iria ocorrer na última etapa de construção para a implementação da rede terciária de rega (que fica a cargo dos proprietários).
Desconhece-se, na sua real dimensão, o que aconteceu ao património arqueológico nos cerca de oito mil hectares de solos agrícolas, no bloco de rega Baleizão-Quintos, onde as equipas do Impacte Ambiental registaram 193 ocorrências de âmbito arqueológico.
O número de registos patrimoniais identificados pelo estudo permitiram constatar a existência de “uma elevada densidade ocupacional na Pré-História e época romana, destacando-se os materiais atribuídos ao Paleolítico, detectados na envolvente da povoação de Salvada, e as vinte villae romanas”.
No Anuário Agrícola publicado pela EDIA, as culturas de olival, vinha e mais diversas árvores de fruto somam, no seu conjunto, quase 40 mil hectares de área de regadio, boa parte delas em áreas de grande importância arqueológica.
O paradoxo é que a EDIA é obrigada a fazer estudos de impacte ambiental (EIA) nas intervenções que faz, mas estes não são impostos quando se surribam centenas e até milhares de hectares para plantar olivais. Este tipo de “operação provoca um nível de mobilização do solo muito mais acentuado do que a instalação da rede de rega do Alqueva”, refere ao PÚBLICO o arqueólogo Miguel Serra.
“Corremos o risco de não ficar com nada para a mostra”, sublinha o investigador, radicado em Beja, frisando que “não se sabe o que aconteceu a centenas de sítios arqueológicos”, dado o vazio legislativo que “impede a intervenção da tutela”, conclui.
Consternado ficou o presidente da União de Juntas de Freguesia de Salvada e Quintos, Sérgio Engana. Pede às entidades competentes para “preservar o que ainda é possível recuperar na Salvada” que a população já via como um meio de fazer “reverter para a comunidade alguma riqueza e conhecimento sobre a sua própria história”.
O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao Ministério da Agricultura, que, até ao fecho desta edição, não respondeu. 
Carlos Dias in "Público" - 23 de abril de 2017