28.11.16

OPINIÃO: Hasta siempre, Comandante!

Ao longo dos anos e desde a minha juventude, principalmente depois do 25 de Abril, segui com entusiasmo e carinho, o percurso do heróico povo cubano, a sua resistência activa e a determinação na construção de uma pátria livre e liberta das grilhetas do ditador Baptista.
Lia, todas as semanas o “Gramna”, órgão do Partido Comunista Cubano, e acompanhava com emoção, cada batalha travada pelos cubanos em busca da sua independência e soberania, uma luta gigantesca travada com o seu vizinho (EUA) imperialista, que lhe impôs um criminoso e selvático embargo político e económico, que ainda hoje -  passadas quatro décadas e milhentos discursos de compreensão e simpatia – perdura.
A Revolução Cubana, a odisseia dos “barbudos” na Sierra Maestra que conduziram ao derrube da ditadura de Fulgêncio Baptista, apoiada pelo Tio Sam e à restituição da dignidade aos cubanos, constituíram uma das mais belas páginas da história do século XX das Américas e um exemplo a seguir para os povos oprimidos de todo o mundo.
Talvez por isso e por que novos ventos de liberdade começaram a soprar pelo continente americano, os EUA moveram a Cuba, em todos os domínios, uma implacável perseguição e permanente discriminação em todas as instâncias políticas internacionais.
Vergar, pelo isolamento, pela fome e pela miséria, o povo vizinho “revolucionário e rebelde” foi o objectivo central da política norte-americana, ao longo de mais de meio século, mesmo com os “democráticos” Kennedy, Clinton e Obama no poder.
O embargo manteve-se, Cuba resistiu e estimulou, pelo exemplo de determinação e orgulho, o aparecimento de novas lutas e frentes anti-imperialistas em todo o mundo, principalmente na América Latina.
Admirava Fidel, Guevara, Camilo Cienfuegos, como admiro Amílcar Cabral, Mondlane, Neto, Machel, Xanana e outros líderes que nas antigas colónias sob dominação portuguesa, levaram a cabo, inspirados no exemplo revolucionário de Fidel, lutas de libertação nacional que conduziram á independência.
Homens que não foram, nem são “santos”. Erraram como todos os humanos. Afrontaram poderes, corporações, multinacionais e interesses estabelecidos. Tal como fizeram, em 1974, os capitães de Abril, em Portugal, restituindo ao povo, após 48 anos de ditadura, a liberdade e a democracia.
Lembro, nos idos de 1975, e a propósito da segunda guerra de libertação de Angola (guerra civil) a “indignação” de muitos ex-combatentes, amigos e conterrâneos, contra a presença dos “cubanos” em Angola. Ainda recordo muitas dessas discussões (nesse tempo ainda discutíamos política com fervor, sem que ficasse a nódoa do azedume a moldar-nos as relações de amizade) onde, não raras vezes, lembrava a presença de forças estrangeiras (americanas e sul-africanas, ainda sob o regime do apartheid) do outro lado do conflito.
A imprensa nacional pendia, larga e ostensivamente, para o lado da UNITA e FNLA e fazia do MPLA o inimigo a abater. O rumo da história, no entanto, alterou-se. Americanos e sul-africanos foram vencidos em Angola, o regime do apartheid ficou mais fragilizado e acabou mesmo por sucumbir, muito por graças da acção e do prestígio de Nelson Mandela.
Passaram-se quarenta anos. Fidel saiu do poder, em Cuba, há dez. Pouco mais se falou dele. Guantánamo e a prisão discricionária instalada pelo “amigo americano” na ilha, tomou o seu lugar.
Dizem, de Fidel, que é um “mito” do século XX, um exemplo revolucionário e para os povos (ainda) oprimidos de todo o mundo. Outros, chamam-lhe, agora que a sua morte foi anunciada, um ditador e um assassino.
Querem fazer história, catalogar uma vida, num momento e que esse instante, televisivo ou não, fique como dado histórico definitivo e indiscutível.
Fidel e os seus companheiros da Sierra Maestra terão, sempre, duas faces: a de exemplos revolucionários para aqueles que se libertaram ou que almejam libertar-se do jugo opressor; a de ditadores e assassinos para os outros, os mesmos que, sendo ou não ditadores, procuram por todos os meios perpetuar o medo, a discriminação e a opressão.
Fidel Castro, foi, de facto, um “sacana”. Aquilo que ele e os seus companheiros fizeram há 60 anos atrás não tem perdão. Restituir a liberdade e a dignidade a um povo, pagando muitos deles com a própria vida, é coisa de malucos, de barbudos. Lembram-se do “Tango dos Barbudos”?
Ser temerário e pessoa de bem, hoje, é receber robalos no conforto do lar e em troca de favores políticos e financeiros. É destruir bancos e patrocinar acções danosas de empresas e ser condecorado por isso. É tirar cursos superiores de engenharia aos domingos e encomendar a outros a escritura de livros, arvorando-se como escritor.
É fazer da política, não uma actividade nobre como esta merece ser, mas um palco de ensaio para as grandes negociatas e a arte da manipulação das consciências.
Fidel foi um ditador. Homens de bem e acima de qualquer suspeita, que nunca fizeram mal a uma mosca, foram Salazar, Caetano, Franco, Mussolini, Hitler, Estaline, Videla, Baptista, Pinochet e tantos outros.
Fidel morreu. Honremos a sua memória, exemplo, o seu espírito vivo de combatente e revolucionário.
Hasta Siempre, Comandante!
Mário Mendes