A uma criança com idade de Jornal
Antoine chega a casa para o
almoço e mal entra na maison diz para
a mulher: Isabel, tens aqui o correio!
Cartas de Portugal e de serviços
franceses, mas de entre o volume da correspondência logo descobre um emaranhado
de folhinhas com um cabeçalho a verde.
- Chegou o jornal, temos visitas
de Nisa!
Estende a mesa para a refeição do
marido e maquinalmente já não despega daquelas folhinhas carregadas de notícias
e de saudades da terra distante.
- Olha aqui, Antoine!. Já temos
água com fartura e dizem que este Verão já abrem as piscinas. Já viste o que é?
Acabaram-se os problemas com os netos, já temos onde os levar quando formos de
férias. E fala aqui da restauração da igreja do Pé da Serra!
- Pé de Serre? Onde fica? –
indaga o marido.
- Não te lembras? É aquela petit village muito branquinha que se vê
do cabecinho da Senhora da Graça. Era a terra do meu avô e nós fomos lá pelas
festas e dançámos no largo...
Ah! Oui! Beaucoup de gens, trés
simpatique. J´aime Pé de Serre e Nisa.
Antoine termina a refeição e
prepara-se para retornar à usine, em Toulouse. Despede-se
da esposa e diz-lhe, num tom compreensivo: Ó Isabelle, mas tu não almoças?
Antoine sabia de antemão que nos
dias da chegada do jornal, o almoço podia esperar, por vezes até ao jantar. A
leitura, em português, as notícias do seu torrão natal, eram um afago para o
estômago e um conforto para a alma que Isabel não podia desperdiçar.
Foi Isabel quem nos contou esta
história. Podiam ser outras as pessoas, outros os lugares e os jornais.
Portalegre, Fundão, Castelo de Vide, o país real espraiou-se pelos confins do
mundo, desde Sidney a São Francisco, de Montreal a Paris, de Díli ao Maputo e a
Luanda.
No meio e sujeito da história, o
jornal. O veículo da mensagem, o portador da notícia alegre e do acontecimento
triste. Da novidade e da história. Da crítica e da análise. Do confronto – que
não confrontação – de ideias e de propostas para um melhor porvir.
Hoje temos a internet, as redes
sociais, a comunicação a todo o vapor, em doses maciças e repetitivas, tão
repetitivas que por vezes se torna difícil separar o trigo do joio. O jornal
impresso perdeu muito do seu antigo fulgor e muitos lhe destinavam, até, o
prenúncio da morte.
Sei, por experiência própria, o
que é fazer, “viver”, um jornal. Vivi, como parte de mim, um jornal durante
mais de dez anos, a idade de criança, ainda, que o “Alto Alentejo” perfaz.
Sei do bulício, da
hiperactividade, da agitação, do tempo febril que antecede a elaboração e a
saída de cada edição. Quem lê um jornal, durante 15 ou 20 minutos e depois com
gesto de enfado o atira para um canto, não sonha sequer, com as centenas de
quilómetros feitas para registar as fotos, os comentários, ouvir os
intervenientes de cada história e de cada notícia que o jornal leva aos seus
leitores. Está longe de imaginar quantos telefonemas, quantas discussões na
redacção e quantas dúvidas são aclaradas para que a notícia, ou os factos que
lhe dão suporte e credibilidade, sejam publicados no respeito rigoroso pelas
leis.
Ontem – num passado já um pouco
distante – a imprensa, na sua maioria, resumia-se a boletins paroquiais,
escritos pelos párocos ou pela gente letrada da terra. Não poucas vezes, a
escrita era gongórica, destinada a um público sui generis, com conhecimentos de latim. Servia os poderes
dominantes, centrais e locais, geralmente, alinhados. O povo, iletrado, com
baixa escolaridade e sem proventos para as necessidades mais elementares, não
tinha acesso aos meios de comunicação escrita.
Poema do jornal
O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensanguentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.
Vem da sala de linotipos
a doce música mecânica.
Carlos Drummond de Andrade
O saber escrever, a boa vontade, o
voluntarismo, que continuam a imperar em muitos dos jornais regionais, deu
lugar à especialização e á profissionalização.
Profissionalização da função que,
em raras situações e exemplos (a não ser nos grandes grupos editoriais),
corresponde a um vencimento ou salário inerentes às responsabilidades que lhes
estão cometidas.
O “Alto Alentejo” completa 10 anos
de existência e profícua actividade. É ainda uma criança, mas já uma criança
feliz. O Manuel Isaac, seu director e a quem endereço os meus parabéns,
extensivos à excelente equipa que comanda, pediu-me um texto pequeno para esta
efeméride. Já me alonguei demasiado e não disse metade do que pretendia
explanar.
Há-de haver outras oportunidades.
Um grande abraço e votos de uma longa vida em prol, sempre em prol do Alto
Alentejo.
Quando a imprensa não fala, o povo é que não
fala. Não se cala a imprensa. Cala-se o povo. - William Blake