22.1.14

Exposição ao Ministro da Agricultura (Fevereiro 1934)

O ministro Passos tirou da cartola, não um coelho, mas mais uma das suas ideias luminosas para extorquir dinheiro aos mais pobres. Exige o ministro Coelho e a sua vistosa parceira da Agricultura, que os pequenos agricultores se inscrevam nas Finanças, para lhe poder controlar os passos e a produção de couves e nabiças.
Vem a propósito, por isso, uma “Exposição” dirigida ao Ministro da Agricultura, em Fevereiro de 1934 e que com toda a actualidade que mantém, pode ser endereçada também à Luisinha das Finanças e ao próprio primeiro-ministro.

Exposição

Porque julgamos digna de registro
a nossa exposição, senhor Ministro,
erguemos até vós, humildemente,
uma toada uníssona e plangente,
em que evitámos o menor deslize
e em que damos razão da nossa crise.

Senhor! Em vão, esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
 

Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca.
- A matéria, em questão, chama-se caca.

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.


E mijem-nos, também, por caridade!

O senhor Oliveira Salazar
quando tiver vontade de cagar
Venha até nós!...

Solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado
e,... como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho!

A Nação confiou-lhe os seus destinos?...
Então, comprima, aperte os intestinos;
se lhe escapar um traque, não se importe,
... quem sabe se o cheirá-lo nos dá sorte?
Quantos porão as suas esperanças
num traque dos Ministro das Finanças?...
E quem viver aflicto, sem recursos,
Já não distingue, os traques, dos discursos.

Não precisa falar! Tenha a certeza
que a nossa maior fonte de riqueza,
 desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos nelas.

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

... Adubos de potassa?... Cal?... Azote!?...
Tragam-nos merda pura, de bispote!

E todos os penicos portugueses
durante, pelo menos, uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem trampa!

Terras alentejanas, terras nuas,
desespero de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sente a paixão nostálgica da merda...

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

Ah!... Merda grossa e fina! Merda boa
das inúteis retretes de Lisboa!...
Como é triste saber que todos vós
andais cagando sem pensar em nós!
 

Se querem fomentar a agricultura
mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.

Venham todas as merdas, à vontade,
não faremos questão da qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas!
E, desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena póia à grande bosta,
de tudo o que vier, a gente gosta.

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

Évora, 3 de Fevereiro de 1934
Pela Junta Corporativa dos Sindicatos Reunidos do Norte, Centro e Sul do Alentejo
O Presidente,
Dom Tancredo (o Lavrador)