1 – MAIO, MADURO MAIO
Sei de um
país onde há 30 anos se comemora de Maio o dia primeiro.
Sei de um
país onde há 50 anos se lutava pela conquista da jornada de trabalho de 8
horas.
Sei de um
país que teve “praças de jorna”, mercados de mão-de-obra, de gente que lutou
pelo direito ao trabalho e ao pão. Gente agredida, espezinhada, presa,
sufocada.
Sei de um
país que teve Catarina, mas também Caravela e Casquinha, Dias Coelho, Adriano,
Zeca Afonso, cantores, poetas, operários de enxadas e das minas; gente vivendo
e sonhando com essa doce palavra: liberdade.
Sei de um
país, de gente que descobriu mundos e fundos; desbravou caminhos e oceanos,
construiu um império de quimeras.
Sei de
outros países de extensas planícies e desertos, de terra vermelha, em brasa,
povoada de rios e tabancas, de bolanhas e sanzalas, onde viviam pessoas, meus
irmãos de pele mais escura, sentindo as grilhetas da opressão e da tirania.
Sei de
outros povos meus irmãos e de irmãos que não vejo há muito: Mondlane, Neto,
Samora, Amílcar, Xanana, que me ensinaram balanta, quimbundo, crioulo, maconde
e a rimar unidade com liberdade, consciência com independência.
Sei de
outras músicas, do Cobiana Jazz, do merengue e da coladeira, da morna e da
marrabenta, ritmos de paz e de guerra, de sofrimento e revolta, de dor e
esperança.
Sei de um
país que em Maio prolonga Abril e que no mês das flores e das maias, das searas
e das papoilas, nasce um cântico de liberdade que percorre o Gêba, o Zaire e o
Rovuma, levando até Dili a brisa da libertação.
2 – LEMBRANDO O TI ANTÓNIO BRANCO
Adeus Nisa, adeus riqueza
Tens coragem e não és mole
Para tu teres tanta grandeza
Está Montalvão sem pitról
Se tinhas
pouco dinheiro
Primeiro
devias pensar
Por que te
puseste a mandar
P´ra Montalvão
mais caqueiros
De que
servem os candeeiros
Sem ter uma
luz acesa
Andas
fugindo á despesa
De uma luz
que pouco presta
Guardas as
notas prá festa
Adeus Nisa,
adeus riqueza.
Essas águas
encanadas
Que tu tens
para teu regalo
Para estares
bem estou eu mal
Recebendo
águas encharcadas
Quando te
mando as mesadas
Com que vais
pagar teu rólo
É que me
queres tomar ao colo
Sem que
interesses p´ra mim puxe
Andas sempre
em alto luxe (o)
Tens coragem
e não és mole.
Do que
aquelas que não tens
Guardas para
ti todos os bens
E nós
vivemos às escuras
São umas
mágoas tão duras
Cá prá minha
natureza
Podes ter
bem a certeza
Que a poucos
estás a agradar
Porque somos
tantos a pagar
E só tu tens
tanta grandeza.
Só tu tens
lindas entradas
Em estrada
máquedame
Só tu tens
um Rossio de fama
Um teatro
obra apurada
Uma praça
para a tourada
Com lugares
de sombra e sol
Eu vivendo
na terra mole
Dou entrada
ao meu povo
Tu andas
sempre de novo
E Montalvão
sem pitról.
O ti António
Branco, o “Forneiro”, nasceu e morreu em Montalvão. Trabalhador do campo,
forneiro, analfabeto, produziu um importante conjunto de décimas, algumas de
grande beleza e que descrevem, na perfeição, o mundo campestre. Tinha uma forte
consciência social e uma acutilância rara para descrever as injustiças de que a
sua terra, Montalvão, era alvo.
As décimas
aqui apresentadas foram passadas de boca em boca, nos anos 40 do século
passado, numa época em que a repressão política e social mais se intensificou.
Voltaremos,
um dia destes, ao ti António Branco.
Mário Mendes - 25/4/2012