11.4.12

TEXTOS DE ABRIL (1): Crónica de um tempo incerto

Partir! Partir, sempre. E regressar...
No princípio foi o sonho e a aventura em caravelas transbordando
Espalhámos a fé, levámos a “civilização ocidental” (sempre a civilização ocidental a moldar-nos, a tolher-nos os passos e os pensamentos), estendemos o poderio militar, dominámos, fomos conquistadores (de quê?), criámos mitos e heróis, mas olhando de soslaio as especiarias, o ouro e a glória...
Tudo tivemos e desbaratámos. Como agora. O cravinho e a pimenta. A malagueta e o açúcar. O café e o tabaco. Até o ouro do Brasil (quantos negreiros, quantos escravos mortos, quanto sangue derramado?) desperdiçámos. Tantos sonhos de riqueza em pouco tempo esfumados...
E novos sonhos se desfizeram em viagens consumidos.
Miragem de uma pátria imperial, estendida pelas cinco partidas do mundo, mas configurada sempre ao rincão original, europeu.
Partimos. Estendemos os olhos e a cobiça, fomos senhores de um vasto império.
E voltámos, sempre, mais pobres do que nunca, esquecidos de nós próprios...
Atravessámos mares e oceanos, desbravámos caminhos e florestas, fizemos a travessia do deserto e do tempo. Chegámos à década de 60 do século passado. Famintos, oprimidos, estranhos na própria “casa”, lançámo-nos noutra aventura: a conquista do pão e da dignidade.
Demandámos outras paragens, partimos novamente. Atravessámos Alpes e Pirinéus, fintámos a fome, suportámos os rigores do frio e da neve, enganámos os carabineiros.
Uns. Outros, não... Alguns jazem, sabe-se lá em que vereda ou ravina, perpassados pelas balas das armas dos homens sem coração ou pelo espírito da traição...
Partir e voltar. Sempre. O retorno ao rincão natal. A vida ligeiramente melhor. A dignidade reconquistada (será?).
Português. Povo que sofre, que luta, parte e retorna.
Já Eça, há uma século atrás entendia a sua alma.
Mário Mendes Fev.1986