1.2.21

OPINIÃO: Podemos mudar a nossa atitude

Sem qualquer surpresa, Marcelo apoiado pelo PS, PSD e CDS foi reeleito presidente. Ventura cresce e assusta, mas decerto, não vai sair do Chega, após ter perdido para a Ana Gomes; André Ventura tinha dito que se perdesse com Ana Gomes, ele seria uma liderança falhada; agora, transformou a derrota numa vitória histérica. João Ferreira segurou bem o seu parco, mas fiel eleitorado, que de forma ardilosa, Ventura disse ter conquistado e que Rui Rio assumiu de forma ingénua. Ficámos a saber ainda, que há um Chega moderado nos Açores e o Chega, malcomportado no continente.
Marisa Matias, a grande derrotada, foi sacrificada para dar a vantagem a Ana Gomes sobre Ventura e, também, com os eleitores a quererem evitar uma segunda volta. Ana Gomes, apoiada pelo PAN foi abandonada pelo PS, mas captou muito voto bloquista. Francisco dos Santos, rocambolesco, parece a personagem de Ponson du Terrail, em “As proezas de Rocambole” [1] a cantar vitória numa campanha, que não fez e ao acreditar que o Chega rouba votos ao PCP e não ao CDS. Afinal, o que anda este rapaz a fazer na política, quando dá um excelente comediante?
Portugal lidera a nível mundial, com mais casos e mortes por milhão de habitantes vítimas da covid-19. As Escolas fecharam, depois de Costa à segunda-feira ter afirmado que tal era impensável e à sexta-feira, ter sido forçado a fechar. Inevitável, com a escalada da infeção descontrolada e com novas ameaças como as estirpes britânica, brasileira e agora, também, a sul-africana.
A teimosia do governo PS em contrariar os especialistas, adiou as medidas que podiam ter moderado a terceira vaga, que Costa não quis ver, nem preparar. Também não quer ver os transportes públicos, em especial na linha de Sintra, que continuam a mostrar que a ordem de desconfinar e afastamento são pura demagogia. Vale tudo, até dizer que as Escolas são seguras… Não se pode pedir afastamento às pessoas, quando as obrigam a irem enlatadas nos transportes e engaioladas nas Escolas.
Depois do relaxamento natalício, corremos como sempre atrás do prejuízo. Em março de 2020, fomos todos apanhados de surpresa, agora, não temos desculpa. Não se percebe como é que numa tragédia monumental com a que enfrentamos, não estamos a requisitar os serviços de saúde privados, para fazer frente ao caos que se instala nos hospitais. O descontrole está bem patente na necessidade já manifestada de enviar doentes para o estrangeiro.
Portugal ficou assinalado como um dos países que menos gasto extra (% PIB) fez relacionado com a covid-19, marcado por um OE, que aposta na continua fuga à proteção da vida das pessoas. Ignorado também, no recente OE aprovado, foi o apoio aos grupos mais vulneráveis pelos impactos negativos da covid-19, simplesmente desvalorizados. Perante a tragédia, a opção está na esquerda com investimento público, enquanto a direita está em agonia a assistir ao seu próprio sangramento.
Todos os dias há muito sofrimento, muita dor provocada pelas mortes exponenciadas pela covid. É como se caísse um avião todos os dias; em média, é uma pessoa a morrer de cinco em cinco minutos. Temos hospitais em situação de catástrofe, ontem atingimos mais de 16 mil casos e ultrapassámos a barreira das três centenas de mortes em 24 horas.
A ciência proporciona-nos várias escalas para avaliar a dor e a covid contribui com a dor de afastar famílias e amigos, de tirar a vida, o emprego e muitos prazeres da vida. Também na maldade, existe uma escala desenvolvida pelo psiquiatra forense Michael Stone, mas nesta escala, não se encaixam as maldades provocadas pela pandemia, com grandes culpas para a falta de consciência das pessoas e a falta de atitude para medidas sérias e imediatas. Nas maldades, ainda temos os negacionistas e os que deliram com soluções loucas. Perante tanta dor, não devia haver lugar para mais maldade, mas ela também cresce.
Infelizmente, a dor, a maldade e a insegurança crescem impiedosamente e são fruto dos dias terríveis que vivemos, a par do crescimento da extrema direita. Apetece-me dizer como Gandhi: “O mundo está farto de ódio”. E outra grande verdade deste lutador pela liberdade e igualdade é: “O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente”. Podemos não conseguir mudar o mundo, mas podemos mudar a nossa atitude.
* Paulo Cardoso in "Rádio Portalegre" - Desabafos - 29/1/2021

[1] Pierre Alexis, Ponson du Terrail (Montmaur, 8 de julho de 1829 - Bordéus, 20 de janeiro 1871), escritor francês.