O candidato Marcelo Rebelo de Sousa pode estar à frente nas sondagens, e a experiência pode dizer-nos que todos os presidentes foram reeleitos à primeira volta, mas nenhum destes factos deve tornar a eleição presidencial numa formalidade. Essa é precisamente a estratégia de Marcelo.
Tendo assumido o primeiro mandato na sequência do trauma Cavaco e com a Direita em cacos depois da austeridade, o presidente procurou não afrontar gregos nem troianos, dando quase sempre uma no cravo e outra na ferradura. O Governo agradeceu a blindagem política em certos temas essenciais que quis vedar à Esquerda: o trabalho, a Banca e a recuperação do SNS. Não é por acaso. São estes os temas em que o PS frequentemente vota com a Direita, e Marcelo é, no fim de contas, o candidato desse compromisso.
Marcelo Rebelo de Sousa não apoiou a criação do SNS. A sua visão sobre o negócio da Saúde ficou clara quando, mesmo durante a pandemia, usou os seus poderes para obstaculizar a requisição dos serviços privados a preço de custo e a sua subordinação ao SNS.
E não é preciso recordar as palavras do comentador Marcelo a garantir ao povo a solidez do BES para sabermos que, enquanto político, aceitou e protegeu a Banca do regime. Juntou-se ao centrão para apresentar como inevitáveis as vendas ruinosas do Banif e do Novo Banco. Quase exigiu a demissão do ministro das Finanças no polémico caso das declarações de rendimentos dos gestores da Caixa, mas nunca criticou os contratos abusivos assinados por Centeno - contratos que o país hoje paga bem caro.
Não foi com os seus afetos que os trabalhadores despedidos sob a pandemia puderam contar. E das leis laborais só quis saber para as degradar com o alargamento do período experimental para seis meses.
Ao votarmos, não é indiferente sabermos que Marcelo se opôs ao Tribunal Constitucional quando este impediu os cortes nas pensões feitos por Passos Coelho. Ou que normaliza a participação da extrema-direita em futuros governos. Marcelo facilitou tal aliança nos Açores muito antes de, como fazem em França ou na Alemanha, ter esgotado as possibilidades de um compromisso republicano.
Que voto pode contribuir para romper os bloqueios na saúde, no trabalho, na Banca? Que voto é mais útil para alcançar os compromissos exigentes que Marcelo e Costa querem adiar? Responder a estas perguntas pensando no dia seguinte, eis o desafio colocado ao povo da Esquerda nestas presidenciais.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” - 5/01/2021
Tendo assumido o primeiro mandato na sequência do trauma Cavaco e com a Direita em cacos depois da austeridade, o presidente procurou não afrontar gregos nem troianos, dando quase sempre uma no cravo e outra na ferradura. O Governo agradeceu a blindagem política em certos temas essenciais que quis vedar à Esquerda: o trabalho, a Banca e a recuperação do SNS. Não é por acaso. São estes os temas em que o PS frequentemente vota com a Direita, e Marcelo é, no fim de contas, o candidato desse compromisso.
Marcelo Rebelo de Sousa não apoiou a criação do SNS. A sua visão sobre o negócio da Saúde ficou clara quando, mesmo durante a pandemia, usou os seus poderes para obstaculizar a requisição dos serviços privados a preço de custo e a sua subordinação ao SNS.
E não é preciso recordar as palavras do comentador Marcelo a garantir ao povo a solidez do BES para sabermos que, enquanto político, aceitou e protegeu a Banca do regime. Juntou-se ao centrão para apresentar como inevitáveis as vendas ruinosas do Banif e do Novo Banco. Quase exigiu a demissão do ministro das Finanças no polémico caso das declarações de rendimentos dos gestores da Caixa, mas nunca criticou os contratos abusivos assinados por Centeno - contratos que o país hoje paga bem caro.
Não foi com os seus afetos que os trabalhadores despedidos sob a pandemia puderam contar. E das leis laborais só quis saber para as degradar com o alargamento do período experimental para seis meses.
Ao votarmos, não é indiferente sabermos que Marcelo se opôs ao Tribunal Constitucional quando este impediu os cortes nas pensões feitos por Passos Coelho. Ou que normaliza a participação da extrema-direita em futuros governos. Marcelo facilitou tal aliança nos Açores muito antes de, como fazem em França ou na Alemanha, ter esgotado as possibilidades de um compromisso republicano.
Que voto pode contribuir para romper os bloqueios na saúde, no trabalho, na Banca? Que voto é mais útil para alcançar os compromissos exigentes que Marcelo e Costa querem adiar? Responder a estas perguntas pensando no dia seguinte, eis o desafio colocado ao povo da Esquerda nestas presidenciais.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” - 5/01/2021