Sirgadouros do Tejo - Um encanto para fruir
No princípio era o rio, torrencial e de cristalinas águas, chegado aqui percorridos iam 120 léguas, descendo a Ibérica Península desde Albarracin, como ensinava o mestre na Primária, frente ao mapa. Rio de fascinante beleza, variada e abundante fauna, talvez por isso os primeiros homens aqui chegados, olharam, gostaram do que viram e fixaram-se. Ao rio atribuíram-lhe um nome. Tejo, lhe chamam agora e pela abastança acreditaram estar a sobrevivência assegurada.
Em tempos ainda pré-históricos, nos finais do neolítico, diz quem sabe, que os homens, provavelmente agradecidos aos deuses, gravaram nas pedras do leito ou das margens do rio, milhares de notáveis figuras, imagens observadas por eles no dia a dia, palmilhando a terra, ou contemplando o céu. É a Arte Rupestre que temos por ali, nossa, porque na margem esquerda, que os nossos autarcas, em parceria com os de Vila Velha de Ródão se aprestam em valorizar para atrair os turistas.
Entretanto, outros povos foram chegando, novos hábitos foram sendo adquiridos, diferentes formas de viver, de explorar, de olhar em volta e sempre mais longe.
É um prazer contemplar e agradável de passear aquele corredor empedrado que acompanha o Tejo na margem esquerda, desde a Barca da Amieira até por perto da foz do Figueiró (200 metros para jusante).
Lageado com pedras dispostas na horizontal, tem em média, de largura, cerca de dois metros e eleva-se aproximadamente 6/7 metros acima do nível das águas.
Estas "estradas", por alguns habitantes de Amieira chamadas de "fachina", são os designados muros de Sirga, ou Sirgadouros, se bem que em Malpica do Tejo os apelidem de "Estradinha", preferindo os espanhóis nossos vizinhos e do rio, chamar-lhe "Estrada Velha" ou "Caminho do Rei", como nos foi dito por um amigo de natural de Cedillo, o senhor Francisco Negrito Gonzales, cujos avós eram portugueses, nascidos em Nisa.
Estes caminhos eram utilizados desde há séculos por homens e animais, no reboque rio acima dos barcos, principalmente nos cachões, impeditivos de utilizar os remos. É certo que não exercem hoje aquela função, ainda assim é sempre aprazível percorrer passeando aqueles curtos quilómetros, da Barca da Amieira até ao Figueiró, tanto mais que o Sirgadouro se encontra agora perfeitamente restaurado, graças a uma decisão louvável do actual executivo municipal, que com esta acção não só defendeu o património concelhio, mas igualmente investiu no turismoque acabará por render.
Quando e por quem foram mandados construir os Sirgadouros? Foi a obra executada de uma só vez ou foi-o por fases?
Vários são os autores que nos falam da beleza e riqueza do rio, da sua extensão, dos seus desníveis, da turbulência ou sossego das suas águas, mas sobre os sirgadouros pouco nos dizem e quando o fazem nem sempre afinam pelo mesmo diapasão, daí resultando uma "música" confusa.
Não terá aquela obra sido executada por fases e sujeita ao longo dos anos a intervenções de restauro e ampliação, justificando assim e de certo modo, o desencontro na informação?
Araújo Correia, na obra de que é autor - O Tejo - , a pág. 61 cita o ten.-coronel de Engenharia, Anastácio Rodrigues, que em 1812 estudou a navegabilidade do Tejo, de Abrantes a Malpica, por mandado real, informando dos embaraços naturais e artificiais, realçando a falta total de sirgadouros, que ele entendia como caminhos cómodos, de três ou quatro palmos de largo, ao menos. É esta a única referência a sirgadouros que se encontra naquela valiosa obra, o que nos parece manifestamente pouco.
Em "Viagens do Olhar", obra editada pelo Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento de Vila Velha de Ródão, refere-se que em 1849, um decreto de D. Maria II autorizava o Governo a "despender durante o próximo futuro ano económico até à quantia de dez contos de réis em trabalhos de demarcação do alveo do Tejo, na parte que decorre de Valada até Abrantes, como também nas obras de quebramento de rochedos, da desobstrução do alveo do mesmo rio e da construção de caminhos de sirga, na parte que decorre de Abrantes até Vila Velha de Ródão". Efectivamente, estes caminhos foram construídos e ali estão hoje ainda nas duas margens do rio, a jusante da Barragem do Fratel.
Na revista Estudos de Castelo Branco, nº 27 de 1 de Julho de 1968, volta-se a citar o ofício do coronel Anastácio Rodrigues, enviado a 17 de Julho de 1812 a D. Miguel Pereira Forjaz, acerca da navegação do Tejo, de Abrantes a Malpica. No que concerne ao nosso concelho de Nisa, a página 164 é feita uma chamada para a necessidade, junto da Barca da Amieira, de "abrir quinhentos passos, ao menos, de sirgadouro nesta margem esquerda".
Ainda num estudo publicado no diário de Badajoz, "Hoy", de 22 de Agosto de 1964 e no ano seguinte em separata de "Terra Alta", nº 406, extraído da obra "As ordens militares, aquém e além Sever", o seu autor, dr. José Martins Barata, ao referir-se ao vasto território da Açafa, que incluía a quase totalidade do actual concelho de Nisa e que foi doado por D. Sancho I à Ordem do Templo, escreveu o seguinte: "Outro ponto a considerar diz respeito à população que dispersa e escassa, era homogénea, como sempre temos defendido. Nem de outra forma convinha aos Templários que precisavam ter assegurada a navegação no Tejo, a favor da corrente ou utilizando os caminhos de sirga marginais, romanos, que ainda hoje se podem reconhecer. O Tejo fornecia um excelente meio de comunicação naquele tempo de poucos e maus caminhos".
Autores há que referem a construção dos sirgadouros no período filipino. Este últimos autor recua muito mais no tempo e atribui a obra aos romanos, o que não se estranha, sendo o Tejo, como menciona Estrabão, "um rio productor de ouro" que eles exploraram. O Conhal é um bom exemplo.
É de louvar a actividade da Associação de Estudos do Alto Tejo, de Vila Velha de Ródão, pela constante promoção do rio. Lembramos, a propósito, que há meia dúzia de anos, organizaram o 1º passeio pelos muros de sirga, nas duas margens, da Barragem do Fratel à Barca da Amieira, iniciativa já continuada entre nós por parte da Inijovem e se deseja seja repetida regularmente, permitindo aos passeantes apreciar a beleza do rio e eventualmente descobrir-lhe alguns dos seus segredos e da sua história, história onde Nisa ocupa o seu espaço.
Documentos há ("Beira Baixa" - Pág. 144) atestando que há 130 anos (1875), entre Vila Velha de Ródão e Abrantes ainda se moviam 278 barcos, com um fluxo, nos dois sentidos que, globalmente, representava 1360 toneladas.
Vieram os barcos porque havia um rio; foram-se os barcos porque chegou o comboio, "o comboio da Beira Baixa", o comboio do nosso rio.
Rio que vai ser factor de desenvolvimento turístico no nosso Concelho de Nisa.
* João Francisco Lopes in "Jornal de Nisa" - nº 195 - 23/11/2005