27.1.21

COISAS DA CORTE DAS AREIAS (20) - Os Predadores e o Património

 

Os tesouros arqueológicos e os detectores de metais no Museu Britânico de Londres
“No Reino Unido há mais de 30 mil arqueólogos amadores que percorrem os campos com os seus detectores de metais. Noventa por cento dos tesouros arqueológicos são descobertos assim. Há quem os acuse de serem apenas caçadores de tesouros, mais interessados no valor que um pote de moedas da Idade Média pode atingir no mercado negro das antiguidades do que na sua importância científica. Mas, muitas vezes, os “arqueólogos amadores” que percorrem os campos com detectores de metais não estão interessados em vender os artefactos que encontram, preferindo devolvê-los às autoridades para serem estudados e, mais tarde, apresentados ao público.” - (“Público” – 9 de Dezembro de 2003 – Lucinda Canelas)
Fica a pergunta: É predador quem recolhe e preserva algo para legar ao concelho de Nisa e seus naturais? Se sim, então temo-los por aí, uns quantos predadores; se não, interrogam-se eles, para quando a pesquisa e recolha do legado que gerações passadas aqui nos deixaram e uns tantos teimam em salvaguardar?
Vai sendo tempo de alguém pensar em criar um “Museu de Arqueologia” em Nisa, onde se juntem e exponham as centenas de “peças” já encontradas e disponíveis, até mesmo já “oferecidas” ao município, há seis anos, por ocasião da exposição que teve lugar na Biblioteca Municipal, visitada com muito agrado por muitos conterrâneos nossos e naturais de concelhos vizinhos. Não nos agrada nada assistir ao saque e destruição, quase diária, destes bens, sem que nada aconteça. Mas, cuidado: há que saber separar o trigo do joio e, no mínimo, não acusar quem protege.
Aquando da última intervenção para obras, em 2004, no exterior da Escola do Convento, que se sabe ser um “sítio arqueológico” muito importante, procurámos saber (e soubemos!) onde seria despejada parte da terra sobrante, local de imediato por nós visitado (Centro de Saúde de Nisa), devidamente autorizados, resultando da visita a recolha de uns tantos artefactos e de algumas moedas romanas do Imperador Constantino.
Não fosse este material recolhido e para ali ficaria mais uns séculos ou milénios, apodrecendo, o que não acontece agora, registado que está com a indicação do local de origem e data da recolha.
Infelizmente, o problema vai sendo geral, diferente será a forma de o enxergar e às pessoas envolvidas. Os títulos e os sub-títulos na nacional imprensa são bem elucidativos.
“Caçadores de tesouros saqueiam Sul do país”, “O Alentejo e o Algarve estão a ser pilhados” (…) “Sítios arqueológicos são os locais preferidos para esta devassa” (…) “Chega a haver pessoas ligadas às forças policiais que estão a saquear”.
Mimos deste tipo são infindáveis e de um senhor do Instituto Português de Arqueologia (IPA) lemos este lamento:
“Qualquer dia não temos moedas romanas nas estações arqueológicas”. Estas verdades até nos fariam rir, não fosse o problema realmente muito sério, só é pena que os visados sejam sempre os “caçadores de tesouros… que procuram moedas raras e outros objectos metálicos para, clandestinamente, enriquecer colecções particulares”.
É positiva esta preocupação, mas já não fica bem a ninguém eleger-se “mais papista que o Papa”, ensacando toda a farinha no mesmo saco. Nós, que nunca afagámos tal “bicho”, o detector, e, eventualmente só o faremos com as regras bem definidas, nem por isso deixamos de compreender e dar razão a alguns amigos, esperando até, que alguém no futuro, recuperando valores éticos em perigo de extinção, encontre, sim, motivos para agradecer em nome do Município de Nisa, que foi o que fizeram no vizinho concelho de castelo de Vide quando, propositadamente, ali se deslocaram dois dos “predadores” de Nisa, a informar da presença de peças importantes em pedra, a necessitar serem recolhidas antes da sua transferência “para lá do rio Sever”, como de costume.
Ao menos, por aqui, no concelho de Nisa, ninguém saqueia “sítios arqueológicos”, pois estes, havendo-os como os há e em bom número, com excepção de um (1), não estão inventariados, logo não estão classificados nem em vias disso, de que resulta não estarem protegidos pela lei.
Porque não é nossa a culpa, dormimos bem, sonhando coisas bonitas, como aquela em que “vemos” erguer da terra, onde permanece caído provavelmente há séculos ou milénios, aquele “tesouro arqueológico” que é o Menir do Patalou, com 6/7 mil anos de idade e que ali espera, desalentado, a visita de um qualquer Obélix que o carregue às costas.
Voltemos aos predadores e também aqueles que sabem ver mais longe e prestemos atenção às suas opiniões:
Richard Hobbs, comissário do Museu Britânico, em Londres, diz-nos que “ as leis são importantes, mas no final, tudo se resume à atitude de cada um. Alguns amadores entregam tudo, outros não. Alguns países baniram por completo os detectores de metais ou ameaçam os que os utilizam; nós não os vemos como descendentes do diabo. Estamos todos à procura da mesma coisa. Estes objectos não pertencem a nenhuma das partes. Em princípio, todos caminhamos no mesmo sentido”. Gente sábia emite sábias opiniões, deduzimos nós.
“O optimismo de Richard Hobbs deve-se ao facto de 90 por cento dos tesouros arqueológicos britânicos serem descobertos por detectores de metais, muitos deles utilizados por não especialistas”, lemos no mesmo artigo.
Tem o concelho de Nisa, nos “sítios”, moedas romanas? Tem e às centenas. Tem outros objectos? Claro que sim, de bronze, chumbo, ferro, cobre, também de vidro, pedra, cerâmica, aqui deixados por romanos, visigodos, árabes e outros povos que os antecederam, como atestam os especialistas a quem são mostrados.
Aqui há uns anos atrás a convite do professor Jorge Oliveira visitámos os locais onde decorriam as intervenções arqueológicas na Anta 2 de S. Gens e no Cabecinho da Senhora da Graça. Vamos aguardar, convictos de que se fará o mesmo noutros sítios. Quem conhece, em Nisa, a Anta do Patalou? A número 3 do Alfaiate ou ainda a das Fontainhas? E, se aquela “pedra” que o professor Jorge Oliveira visitou connosco for mesmo um menir, como ele próprio admitiu?
Bem, se for, temos mais um menir colossal, não como o do Patalou, com os seus 4,10 metros de altura, mas com pelo menos mais um metro. Não conhecem, porquê? Porque recusam ouvir e aprender com a “componente popular”!
Da falta de diálogo e consequente informação a terceiros resulta, não poucas vezes, a destruição destes “bens” que vimos tratando, destruição tantas vezes inconsciente, nunca criminosa. 
Haverá quem não se aperceba que nos “sítios arqueológicos”, o arroteamento das terras para as plantações de arvoredo “mexe” com as coisas antigas por ali espalhadas? É que o velho arado não ia além dos 20 centímetros em profundidade, já as modernas máquinas vão bem mais fundo.
Afinal, os sonhos são mais que um. Também sonhamos ver criar em Nisa, o Museu de Arqueologia. Se daqui a um ano, dez ou vinte, não sabemos. Mas que vai haver Museu, vai.
É uma questão de tempo, pois material disponível existe e até “dá para dois”, como opinam os eruditos na matéria.

João Francisco Lopes in "Jornal de Nisa" nº 213 -  23 de Agosto 2006

Notas
(1) – Sítio de Nossa Senhora da Graç
Legendas para as fotos
1 – Fivela de cinturão visigodo
2 – Peças diversas
3 – Galo de bronze