22.11.20

“CRÓNICAS DE LISBOA”: Já Sinto Saudades do Futuro

 

Esta situação pandémica inimaginável, qual guerra mundial, leva-me a pensar nos pós Covid-19 e a sentir saudades do futuro, ainda muito incerto. Mas, como assim, se a saudade é um sentimento de algo ou de alguém que nos marcou ou marca positivamente, no passado? Saudade de alguém que amámos e que já perdemos, por exemplo um ente querido ou um amor. Saudade de algo que foi bom para nós, etc. “… é por isso que eu tenho mais saudades…; Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amámos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…”. O passado deixou-nos “marcas” profundas, no corpo e na alma, mas que, por isso, constituíram as bases da nossa personalidade.
 Nunca o termo “UCI” foi tão mencionado no nosso quotidiano e, talvez, muita gente não saiba bem o que representa, apesar das muitas imagens das UCIs que passam, frequentemente, nas televisões. É algo técnica e humanamente reveladora duma certa complexidade médica, porque quem ali cai está num processo de doença ou lesão muito complexa e a exigir “cuidados intensivos”. Daí designar-se por UCI = Unidade de Cuidados Intensivos. Ali luta-se pela vida e os seus membros (enfermeiros, médicos, etc) ali estão permanentemente e prontos a socorrerem alguém cujo processo de sobrevivência se sente ameaçado. Dali saem alguns para as enfermarias de recuperação, mas outros, infelizmente, com outro destino principalmente nesta terrível pandemia que terá começado na China e depois alastrou a todos os cantos do mundo, apanhando ricos e pobres, mas principalmente os “velhos”, essa franja da sociedade, em número crescente por força da longevidade, que começou a ser malquista nas sociedades onde o culto por tudo que é “jovem” passou a ser dominante. Velhos? São um estorvo na sociedade do hedonismo e do consumismo, qual vida frenética, agora bloqueado pelas medidas de contenção que visam suster a propagação do vírus e que veio reduzir quase a zero essas atividades que empregavam milhares e milhares de pessoas e que delas obtinham o seu rendimento e agora ou ficaram reduzidas a zero ou com rendimentos insuficientes para o seu sustento e respetivas famílias. Por exemplo, o desporto de espetáculo, as múltiplas atividades do turismo, o lazer diverso (tempo disponível para alem das obrigações de trabalho, aproveitável para o exercício de atividades prazerosas), etc. Eram e são sectores das sociedades modernas que alimentam a economia e agora estão numa profunda crise e cujo futuro se advinha muito difícil. Como sair da crise e colocar esta poderosa máquina novamente a girar? Até o dia de amanhã nos parece incerto, mas, sabemos, vai ser muito difícil. 
Por isso, já sinto saudades do futuro, que foi idealizado com base num passado e construído ao longo destas curtas décadas, mas que dificilmente será do modo que o idealizámos, porque este Covid-19 veio “colocar em xeque” um modelo de sociedade e de economia que vivia da “máquina de fazer e girar dinheiro” e em que este era a principal  energia desse modelo de sociedade. O dinheiro e tudo aquilo que com ele se pode comprar, principalmente o Lazer, foi sacralizado e endeusado. Uma questão pertinente, não é o que fazemos do dinheiro que ganhamos, mas sim o que é que o nosso dinheiro faz de nós, tornando-nos refém desse “bem” que faz girar esta poderosa máquina económico-social e agora caminha para uma crise de consequências imprevisíveis, o que nos leva a temer esse futuro. Neste terrível período que atravessamos, olho muito para o passado, de que tenho saudades de muitas coisas que realizei, mas, acima de tudo, de muita coisa que ficou por fazer e agora esta ameaça, principalmente sobre a minha geração na qual estou incluído nos maiores de setenta e com alguma patologia, no leva a temer o futuro com o qual ainda sonhámos. 
Tenho saudades do passado, mas estas saudades levam-me a sentir saudade dum futuro ameaçado e que dificilmente será como aquilo que há menos de um ano sonhámos. Saudade, a palavra que nos enche de energia para agirmos, mas neste terrível período, agir na prevenção de contágio do Covid-19, é uma atitude de civismo, de sobrevivência pessoal e de solidariedade para com todos os que não resistiram (cerca de quatro milhares de portugueses) a este “bicho” e a todos os outros portugueses envolvidos diretamente nesta pandemia, desde os doentes e pessoal da área médica, agora chamados de heróis. Confinar e respeitar as regras básicas para evitar o alastramento do contágio, é um esforço de todos, para que o futuro volte a ser risonho.
Serafim Marques - Economista