Maria de Belém, responsável pela comissão do Governo para
rever a Lei de Bases da Saúde, afirmou que o Bloco, na sua proposta, defende
que "se deve proibir a intervenção dos privados" na saúde. Esta
afirmação é falsa.
Em primeiro lugar, a proposta para uma nova Lei de Bases não
é do Bloco. Foi criada por António Arnaut, do PS, e João Semedo, do Bloco, que
a entregaram a ambos os partidos. Fizeram-no porque entenderam que a atual lei
já não defende o SNS e que estava criado o contexto para uma reforma do Serviço
Nacional de Saúde que protegesse o seu caráter público e universal,
preparando-o para o futuro. O Bloco assumiu essa responsabilidade, mas a
proposta não é só nossa, é um projeto de muita gente de Esquerda.
Em segundo lugar, a proposta Arnaut-Semedo não quer
simplesmente "proibir a intervenção de privados". Leia-se o projeto
de lei, na alínea f) do n.0 1 da Base II: "O setor privado da saúde sem ou
com fins lucrativos e os profissionais em regime liberal desenvolvem a sua
atividade em complementaridade com o setor público".
Correia de Campos optou por uma estratégia semelhante,
alegando que existem quatro vias para o SNS: a "mercantil", em que o
Estado convenciona com os privados; a "radical", que passa por tornar
todo o sistema público; a "nada fazer", que entrega o sistema à
deterioração; e a "reformista", defendida por Correia de Campos, que
alimenta o regime de parceria público-privada, em que "o mercado não é
hostilizado, mas regulado", e o Estado é usado em "funções
estratégicas e reguladoras".
Como bem lembrou Constatino Sakellarides, uma das vozes mais
autorizadas sobre saúde em Portugal, numa sessão sobre a nova Lei de Bases,
tanto Belém como Correia de Campos entram neste debate a partir de uma ficção.
A ficção do radicalismo da proposta que tudo quer nacionalizar, contra a qual
propõem a via "reformista". Acontece que essa proposta radical não
existe, logo, não há quatro alternativas para o SNS, nem três.
Reparem que, segundo Correia de Campos, a via
"reformista" é, na verdade, um sistema de PPP em que o Estado surge
como regulador. Há pouco por isso que a distinga da via
"mercantilista" a não ser a forma de relação com o privado. Esse será
também o resultado da via "nada fazer", uma vez que o SNS já está a
ser canibalizado pelos privados que aparecem como substitutivos do público, em
vez de complementares.
Por muito que custe a quem quer evitar decisões difíceis,
este debate faz-se em torno de uma só escolha essencial. Ou se quer um SNS
forte, público e universal, ou não.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 25/9/2018