30.1.18

OPINIÃO: As vistas curtas do Partido Socialista

 Só p´ra rir - Cartoon de Henrique Monteiro in http://henricartoon.blogs.sapo.pt
Mais um janeiro que termina, mais um brilharete de Mário Centeno, transformado em mantra pelo Partido Socialista. Já ninguém se lembra do objetivo aprovado no Parlamento para o défice em 2017, mas o importante é que este tenha ficado abaixo do então previsto. Mais de dois mil milhões de euros (em contabilidade pública). Foi quanto custou ao país a inscrição na liga da elite europeia das Finanças de 2017. Dirá o Governo, não sem razão, que este resultado se deve ao crescimento económico. Mas não explica porque preferiu usar esse crescimento para reduzir o défice além do prometido às instituições europeias, em vez de o investir em saúde, educação ou infraestruturas. Os valores do investimento público deste Executivo são humilhantes e mostram o paradigma de um Governo bloqueado pelo sucesso do seu próprio ministro das Finanças.
Não quero contar a história de um país que não existe. Portugal mudou desde 2015 e isso é visível. Fomos longe, comparando com a visão pequenina da Direita rendida à humilhação e à ideia daquele país que nunca poderá viver acima da possibilidade dos baixos salários. Mas a soma de algumas boas medidas não constitui, por si só, uma alternativa de futuro.
O efeito da devolução de rendimentos no crescimento e criação de emprego é inegável. Mas, sem alterar as leis laborais, o trabalho continua precário, e trabalho precário é garantia de baixos salários e estagnação salarial.
Com o crescimento a pressionar os preços não há garantias de aumento de poder de compra sem significativos aumentos salariais no público e no privado. E não deixemos que o sucesso nos tolde a visão: uma parte deste crescimento, que também se reflete nas contas públicas, resulta da preocupante sobre-especialização no turismo. Outra parte anda a par e passo com o elefante que já mal cabe na sala: a bolha imobiliária que está a tornar a habitação num inferno e de que ninguém quer falar para não estragar a festa.
Os desafios que o país enfrenta são muitos. Uma mudança na política monetária do BCE pode rapidamente expor o erro de ignorar o problema da dívida pública. A regras do euro andam no lodo entre o mesmo e o pior. Os mercados financeiros internacionais sobreaqueceram sem justificação no investimento e emprego.
O nosso problema estrutural nunca foi o défice. É a insustentável leveza com que se trata o peso da dívida pública. É a debilidade da economia, historicamente conduzida ao sabor dos interesses dos gigantes empresariais rentistas e assente num débil tecido produtivo, marcado pela precariedade, pelas baixas qualificações e salários. É a paralisia de um Estado condenado a gerir o pouco que conservou, entre imposições europeias e interesses económicos.
Se de facto quisesse romper com este modelo, o Partido Socialista precisaria de ver muito além dos brilharetes orçamentais. As vistas curtas de Mário Centeno não chegam para a mudança necessária.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 30/1/2018