Só p´ra rir - Cartoon de Henrique Monteiro in http://henricartoon.blogs.sapo.pt
Mais um janeiro que termina, mais um brilharete de Mário
Centeno, transformado em mantra pelo Partido Socialista. Já ninguém se lembra
do objetivo aprovado no Parlamento para o défice em 2017, mas o importante é
que este tenha ficado abaixo do então previsto. Mais de dois mil milhões de
euros (em contabilidade pública). Foi quanto custou ao país a inscrição na liga
da elite europeia das Finanças de 2017. Dirá o Governo, não sem razão, que este
resultado se deve ao crescimento económico. Mas não explica porque preferiu
usar esse crescimento para reduzir o défice além do prometido às instituições europeias,
em vez de o investir em saúde, educação ou infraestruturas. Os valores do
investimento público deste Executivo são humilhantes e mostram o paradigma de
um Governo bloqueado pelo sucesso do seu próprio ministro das Finanças.
Não quero contar a história de um país que não existe.
Portugal mudou desde 2015 e isso é visível. Fomos longe, comparando com a visão
pequenina da Direita rendida à humilhação e à ideia daquele país que nunca
poderá viver acima da possibilidade dos baixos salários. Mas a soma de algumas
boas medidas não constitui, por si só, uma alternativa de futuro.
O efeito da devolução de rendimentos no crescimento e
criação de emprego é inegável. Mas, sem alterar as leis laborais, o trabalho
continua precário, e trabalho precário é garantia de baixos salários e
estagnação salarial.
Com o crescimento a pressionar os preços não há garantias
de aumento de poder de compra sem significativos aumentos salariais no público
e no privado. E não deixemos que o sucesso nos tolde a visão: uma parte deste
crescimento, que também se reflete nas contas públicas, resulta da preocupante
sobre-especialização no turismo. Outra parte anda a par e passo com o elefante
que já mal cabe na sala: a bolha imobiliária que está a tornar a habitação num
inferno e de que ninguém quer falar para não estragar a festa.
Os desafios que o país enfrenta são muitos. Uma mudança
na política monetária do BCE pode rapidamente expor o erro de ignorar o
problema da dívida pública. A regras do euro andam no lodo entre o mesmo e o
pior. Os mercados financeiros internacionais sobreaqueceram sem justificação no
investimento e emprego.
O nosso problema estrutural nunca foi o défice. É a
insustentável leveza com que se trata o peso da dívida pública. É a debilidade
da economia, historicamente conduzida ao sabor dos interesses dos gigantes
empresariais rentistas e assente num débil tecido produtivo, marcado pela
precariedade, pelas baixas qualificações e salários. É a paralisia de um Estado
condenado a gerir o pouco que conservou, entre imposições europeias e
interesses económicos.
Se de facto quisesse romper com este modelo, o Partido
Socialista precisaria de ver muito além dos brilharetes orçamentais. As vistas
curtas de Mário Centeno não chegam para a mudança necessária.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 30/1/2018