13.9.16

DO ALTO DO TALEFE (13): O Gato

Tenho um gato. Sena de nome, por ter nascido no mesmo dia em que um famoso corredor de automóveis morria de acidente.
Europeu de raça, este gato é afamado na caça aos ratos e aos pardais.
Tão lesto na caçada como o é na fuga diária à frente da cadela boxer, cujo instinto visceral ultrapassa a amizade que os anos de convivência pudessem ter criado.
Numa visão da sua última caçada, enquanto ele se deliciava com a presa ( um jovem pardal que experimentava a arte do voo), relembrava-me do provérbio chinês: “Não interessa a cor do Gato, interessa é que ele cace os ratos”.
Com o amortecimento da luta ideológica, muito por culpa da queda do muro de Berlim, das transformações a Leste e da coabitação do comunismo e do capitalismo na China, o pragmatismo tem-se imposto.
Os governos europeus reúnem-se em Comunidade cada vez mais alargada e as discussões de ordem económica e social tendem a fazer esquecer as ideologias.
Problemas de desenvolvimento económico e políticas de combate ao desemprego interessam mais do que a cor de quem as implementa.
Nas autarquias portuguesas, o eleitor de forma simples diz que não interessam os partidos, o que interessa é a pessoa a quem se dá o voto.
No governo do país, vemos um partido no poder iniciar grandes obras. Por exigência da rotatividade democrática outro partido que o substitui continua e conclui essas obras, em conflitos.
Culpa da ideologia consumista alicerçada nos novos templos (hipermercados e centros comerciais) e veiculada pela poderosa indústria publicitária, ou capitulação dos dirigentes políticos aos interesses mais imediatos?
Talvez as duas razões em conjunto, a verdade é que o pragmatismo invadiu o nosso dia a dia, sendo raras as excepções em que os princípios e os valores se impõem.
Será então por isso que, confrontado com a necessidade de escolher entre um gato branco e um gato cinzento, tivesse optado por este último que veio a adquirir o nome do Ayrton Sena.
Sem princípios nem valores, este gato é temível, tanto junto da comunidade pardalista como da ratícula.
De pé, junto ao talefe espraiando a vista para lá do horizonte, estremeço ao pensar que  o pragmatismo dos dirigentes possa dar continuidade ao esquecimento dos valores e dos princípios.
Zé de Nisa –Jornal de Nisa nº 8 - 29 Abril 1998