Tenho um gato. Sena de nome, por ter nascido no mesmo dia em
que um famoso corredor de automóveis morria de acidente.
Europeu de raça, este gato é afamado na caça aos ratos e aos
pardais.
Tão lesto na caçada como o é na fuga diária à frente da
cadela boxer, cujo instinto visceral ultrapassa a amizade que os anos de
convivência pudessem ter criado.
Numa visão da sua última caçada, enquanto ele se deliciava
com a presa ( um jovem pardal que experimentava a arte do voo), relembrava-me
do provérbio chinês: “Não interessa a cor do Gato, interessa é que ele cace os
ratos”.
Com o amortecimento da luta ideológica, muito por culpa da
queda do muro de Berlim, das transformações a Leste e da coabitação do
comunismo e do capitalismo na China, o pragmatismo tem-se imposto.
Os governos europeus reúnem-se em Comunidade cada vez mais
alargada e as discussões de ordem económica e social tendem a fazer esquecer as
ideologias.
Problemas de desenvolvimento económico e políticas de
combate ao desemprego interessam mais do que a cor de quem as implementa.
Nas autarquias portuguesas, o eleitor de forma simples diz
que não interessam os partidos, o que interessa é a pessoa a quem se dá o voto.
No governo do país, vemos um partido no poder iniciar
grandes obras. Por exigência da rotatividade democrática outro partido que o
substitui continua e conclui essas obras, em conflitos.
Culpa da ideologia consumista alicerçada nos novos templos
(hipermercados e centros comerciais) e veiculada pela poderosa indústria
publicitária, ou capitulação dos dirigentes políticos aos interesses mais
imediatos?
Talvez as duas razões em conjunto, a verdade é que o
pragmatismo invadiu o nosso dia a dia, sendo raras as excepções em que os
princípios e os valores se impõem.
Será então por isso que, confrontado com a necessidade de
escolher entre um gato branco e um gato cinzento, tivesse optado por este
último que veio a adquirir o nome do Ayrton Sena.
Sem princípios nem valores, este gato é temível, tanto junto
da comunidade pardalista como da ratícula.
De pé, junto ao talefe espraiando a vista para lá do
horizonte, estremeço ao pensar que o
pragmatismo dos dirigentes possa dar continuidade ao esquecimento dos valores e
dos princípios.
Zé de Nisa –Jornal de
Nisa nº 8 - 29 Abril 1998