Porque a França há muito nos
tinha sugado os homens das carroças, as carroças que resistiam eram já escassas
para cerrar o redondel. Compôs-se o que faltava com reboques e uns enrêdos de
paus entrelaçados, mais uns barrotes aqui, uns estrados ali e a plateia foi
dada como afiançada, que a freguesia também não era muita. ( Longe ia o tempo
do Palanque das Senhoras, das carrêtas apinhadas, de rapazes já espigadotes,
suspeitamente, a espreitar pelas tranqueiras...)
Se o gozo das touradas à
vara-larga está no imprevisto, esta foi das boas:
Logo da primeira vaca quem foi o
agarrador? O mais elegante dos jogadores de bola da vila e ainda hoje um
rafista de corridas de bicicleta - o Carlos Fatan; a outra , teve de se render a um
rapagão que começava a mostrar a sua apetência para a arte: o Renato Moura.
Depois,
o esperado imprevisto : a paliçada entre a Casa do Povo e o Curral do Manecas
tombou, atirando com um magote de medrosos para cima do bovino que, solidário,
rebolou com eles. Quando baixou a poeira e confirmado que ninguém se aleijara,
o povinho gargalhou. Só o ruminante, e porque não era açoreano, não riu. Com
este entremêz, os agarradores indultaram o animal e respeitaram o que veio a
seguir - o novilho.
A Filarmónica, numa festa que lhe
era dedicada, sentiu-se no direito de mostrar que o seu valor vai muito para
além de premiar, com paso-dobles, quites e pegas. Vai daí, escalou para
enfrentar o quinto animal um dos musicantes. O felizardo foi o Felizardo que,
obrigatoriamente, esteve feliz.
A última vaca que correu pelo
touril, que fique para conhecimento dos vindouros, quem a dominou foi o
Francisco Sequeira; dos Batatas, o Chico.
Antes que apareça alguém que
desencante para aí um pequeno deus caseiro, vindo da universidade, do quartel,
do seminário, e lhe pespegue a graça na parede do pátio da antiga escola das
raparigas, porque não deixar oficializado na toponímia da vila aquele espaço
como " Largo das Touradas"? Foi isso que ele foi e é assim que ele é
conhecido pelos mais velhos. Lugar de sustos, de valentias, de fanfarronices,
de pequenas tragédias, onde se ganharam famas e se enriqueceu o anedotário,
cuja existência deve persistir na memória de Alpalhão.
José Caldeira Martins
NOTA: Retirámos esta saborosíssima prosa, bem como o programa, da página pessoal do Dr. José Caldeira Martins (Zé Alguém), um amante das tradições alpalhoeiras (marvanenses, nisenses e de outros sítios) que teima em deixar registadas para conhecimento de actuais e vindouros.