Naquele tempo, no imenso largo do Rossio, havia árvores, não
muitas - prestando vassalagem ao imponente eucalipto, hoje em fase decrépita -;
havia risos de crianças, muitos, pés-descalços, jogos da bola, feitas com meias
velhas e farrapos, jogos do monta-cavalo, da pata e do pião. A fonte estava
ali, próxima, para matar a sede e lavar as mazelas de alguma refrega menos
contida. A imensidão do largo, em terra batida, a todos albergava na esfusiante
alegria da brincadeira, da aventura, do tempo próprio de crianças, limpas,
sujas, mal nutridas, irmanadas no comum objectivo de aprenderem as primeiras
letras, a tabuada, os ditados, as contas na ardósia e, vezes sem conta,
esticarem os braços e as mãos para a reguada dos professores. Eram “prémios”,
as reguadas, quase sempre injustos, mas instituídos por uma “cultura de ferro”
onde a pedagogia pouco ou nada medrava.
Foi neste longínquo cenário, nos primeiros anos da década de
60 que encontrei o “Dadinho”. Já tinha, nessa altura, nome ou alcunha, brasileira, de craque
de futebol, mas do que me lembro - fazendo viajar a memória mais de 50 anos
atrás – era da sua enorme destreza, naquele corpo franzino, irrequieto,
electrizante, que trepava e descia das árvores com uma tal facilidade que dava a
impressão que tinha nascido nelas.
A infância africana do “Dadinho” não era indiferente a este
“estado de alma”, a este espírito de rebeldia e postura indomável que se
viria a manifestar com maior acuidade quando, já adulto e vestindo a camisola
do Sport Nisa e Benfica, deu “cartas” em campo, qual “formiga eléctrica” que
pisava os “calos” aos adversários e não os deixava respirar.
Fez parte da equipa de futebol sénior do Nisa e Benfica que,
legitimamente, pode ostentar o título de “Gloriosa” porque foi o expoente de
uma época áurea de títulos distritais e presenças na Taça de Portugal e
Nacionais da 3ª Divisão, num tempo – 2ª metade dos anos 70 e princípios dos
anos 80 – em que faltava quase tudo (infra-estruturas desportivas, apoio
logístico e monetário, condições, mínimas, de treino, etc.) mas que, em
contrapartida, dispunha de uma manancial inesgotável de querer, vontade,
orgulho e bairrismo. Foram estes atributos, partilhados tanto por dirigentes
como por atletas e população, que fizeram de Nisa um caso ímpar na história do futebol
distrital, elogiado e respeitado por outros emblemas a nível regional e
nacional.
Eduardo José Figueiredo Tremoço, o “Dadinho”, faleceu na
passada 4ª feira, dia 7 aos 62 anos. Não conseguiu, desta vez, driblar a grave
doença de que padecia e que de há tempos a esta parte o mantinha num profundo
sofrimento.
Despediram-se dele os familiares, os amigos, os companheiros
de brinca e do desporto, os camaradas de trabalho, num cortejo fúnebre
impressionante que na última sexta-feira percorreu algumas ruas de Nisa, a sua
amada terra, de tantos encontros e desencontros.
Morreu o “Dadinho”. Entre todos aqueles que o conheceram,
sente-se, hoje, uma tristeza e uma grande saudade.
O "Dadinho" morreu! Que fique na memória, o seu exemplo de querer e a sua vontade inabalável de ultrapassar barreiras e vencer desafios que demonstrou como desportista.
À senhora Rosária - a sua mãe, à Graça - sua esposa, a todos os familiares e amigos expressamos
sentidas condolências.
Mário Mendes