António Costa falou como se tivesse nascido
ontem para o problema. A floresta desaparece. O ‘negócio do fogo’ prospera.
Arrepia saber-se que a área
ardida em Portugal, até ao final da semana passada, ultrapassava os 100 mil
hectares de matos e floresta, cerca de metade da totalidade da área consumida
pelo fogo nos 28 países da União Europeia.
Este retrato descarnado é grave
demais para não se exigirem responsabilidades aos poderes públicos, a começar
pela ligeireza de governantes, que continuaram em férias, sem o menor
sobressalto.
As televisões reincidiram na
cobertura indecorosa, preenchendo horas a fio com diretos, fartos de labaredas
e de dramas de populações com o futuro interrogado. Um deprimente reality show.
A ‘indústria do fogo’ continua
ativa. Pudicamente, o atual secretário de Estado da Administração Interna fez
constar que «há quem diga que a indústria do fogo dá dinheiro a muita gente».
Pois dá. É por isso que se
repetem os achados de restos de engenhos explosivos, a par de outras histórias
que ilustram o ato criminoso de atear a floresta. Quase impune.
Há muito que se sabe que é uma
impossibilidade prática um incêndio deflagrar, pela madrugada, em várias
frentes. Mas voltou a acontecer.
De pouco adianta o presidente da
Liga dos Bombeiros Portugueses pintar de cores fortes as palavras, ao presumir
uma «onda terrorista devidamente organizada» na origem dos incêndios
florestais. Disse-o após uma audiência em Belém. Não o terá feito
de ânimo leve.
Em Maio de 2006, era António
Costa ministro da Administração Interna, quando foi aprovada uma resolução
pomposamente intitulada Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.
Ficou no tinteiro.
Foi necessária uma tese de
mestrado, defendida em 2014 por Ascenso Simões – antigo secretário de Estado de
António Costa –, para dar a mão à palmatória e reconhecer o «erro grave» de não se ter modificado o
paradigma, privilegiando a prevenção em vez da concentração de recursos no
combate aos incêndios florestais.
Sem meias tintas, criticou então
a iniciativa política que «se mostrou voluntarista e descompensou um caminho
coerente de intervenção». Costa ficou com as orelhas a arder, mas só agora
reagiu, explicando, com santa inocência, que quis «comprar tempo» para que
fosse feita a reforma da floresta.
Ainda em 2014, a Assembleia da
República aprovaria, por unanimidade, um relatório sobre incêndios florestais,
do qual foi relator outro socialista, Miguel Freitas, produzido por um grupo
de trabalho parlamentar.
Logo no preâmbulo, o documento
defendia, taxativamente, que «os incêndios florestais representam a mais séria
ameaça ao desenvolvimento sustentável da floresta nacional, cujo risco de arder
é quatro
vezes superior ao dos países do Sul da Europa».
Invocavam-se dados estatísticos
terríveis: «Nos últimos 33 anos (1980-2013) arderam em Portugal mais de 3,5
milhões de hectares, dos quais cerca de 1,95 milhões nos últimos 14 anos, ou
seja, 55% da área ardida nos últimos 33 anos foi já no século XXI». Outro
estudo para a gaveta.
A «prevenção e o combate
continuam de costas voltadas», como concluiria melancolicamente o relator.
De facto, elaboram-se estudos,
aprovam-se planos, bate-se com a mão no peito perante a floresta devastada.
Governo após Governo, fazem-se juras com a fogueira atiçada, que se esquecem às
primeiras chuvas de Outono.
Em Agosto de 2013, escrevia-se
nesta coluna: «O país enfrenta – sem receio das palavras –, uma certa
forma de terrorismo, que não pode ser encarada, singelamente, como uma fatalidade de Verão, útil para
preencher largos espaços dos telejornais.
Há bombeiros mortos, há bombeiros
feridos e muitos haveres dizimados. Uma vida perdida é insubstituível e impõe
que os decisores políticos, os legisladores, os tribunais, as policias, parem
para pensar, adotando as medidas – preventivas e repressivas –, que se tornaram inadiáveis.
Reveja-se o ordenamento do
território e o funcionamento dos corpos de vigilantes e de guardas florestais.
Obriguem-se os particulares a
tomarem conta da sua floresta, e obrigue-se o Estado a fazer outro tanto. A
floresta não arde por combustão espontânea, salvo em circunstâncias muito
especiais. E agravem-se as penas por fogo posto, que tantas vítimas estão a
causar.
Se não houver, com urgência, uma
atuação decidida e concertada, envolvendo mudanças na lei e no modus operandi
de polícias e tribunais, a floresta continuará a arder. E tudo o mais é fogo de
vista...»
De então para cá, como em 2006 ou
em 2014, a
prevenção da floresta, a investigação dos crimes de fogo posto, a punição dos
autores e dos seus mandantes, deu num saco cheio de nada.
António Costa falou como se
tivesse nascido ontem para o problema. Timoratos, o PCP e o Bloco meteram a
viola no saco. A floresta desaparece. O ‘negócio do fogo’ prospera. A
desvergonha tornou-se viral…
Dinis de Abreu in sol.sapo.pt - 26/8/2016