A música cura.
A música abraça, faz-nos sonhar, faz-nos escrever e reescrever a história das nossas vidas. A música traduz o que o coração não consegue expressar. A música salva. É assim que me sinto quando escuto Sara Tavares.
Descobri o repertório desta artista luso-cabo-verdiana aos meus treze ou catorze anos. No pico da minha baixa autoestima, com poucas referências de mulheres negras a pisar lugares de destaque em Portugal, foi na voz doce, firme e sonante de Sara que eu encontrei conforto. Chamar a Música, Eu sei, Balancê e Ponto de Luz são canções que me sabem a sonhar e que eu cantava a plenos pulmões sozinha no quarto ou nos intervalos das aulas com amigos. A sua sonoridade é a que quero introduzir aos meus filhos quando os tiver.
Falar de Sara Tavares é viver várias faixas de tempo num único momento. O seu jeito único, versátil e despojado de fazer música ecoa por todas as gerações. Arrisco-me a dizer que todos os artistas afrodescendentes da minha geração foram impactados pela sua melodia morna e viciante, pois isso é inegável. Nela mora eternamente um explorar curioso entre o português e o criolo pelos olhos de uma menina da Margem Sul, filha de imigrantes das ilhas da mãe África, mora o atrevimento de simplesmente ser e fazer, mora a leveza e o amar desmedidamente.
Acredito que mal ela sabia que aos seus quinze ou dezasseis anos faria História ao ganhar o Chuva de Estrelas e o Festival da Canção. A sua ousadia mudou a rota da sua própria vida, da minha e a de tantos outros e outras que procuram expressar as suas vivências através da arte. Sara precisou caminhar para que muitos de nós pudéssemos correr, e eu sou grata.
Sorte de quem privou com esta mulher de espírito leve e com uma riqueza de intelecto. O mundo ficou mais pobre com a partida da Sara. Felizmente deixou-nos a sua voz. Que esta possa ecoar fortemente por todos os cantos e por todas as gerações.
* Sandra Baldé in gerador - 30 Novembro 2023