Terminada a apanha da azeitona, os
lagares em plena laboração e muitas pessoas já com o novo azeite
em casa, era o tempo dos grandes frios, e os porcos já estavam bem
crescidos. Família e vizinhos juntavam-se e, no dia combinado, para
a tradicional matança. Este ritual também ainda acontece hoje em
dia, cada vez mais raro e com as devidas diferenças, pois mudam-se
os tempos…
O dia da matança começava com a
junção de homens e/ou rapazes (4 ou mais) e normalmente pelo menos
uma mulher, que munida dum alguidar já com um punhado de sal. Nesta
altura era oferecido um cálice de aguardente, (para aquecer e dar
genica). Outras vezes, era apenas depois de o porco acabar de sangrar
e ser deixado pronto para chamuscar que era oferecida a aguardente.
A aldeia era acordada com o guinchar do animal a ser morto. O matador segurava uma das patas
dianteiras e espetava a faca entre ela e o pescoço, de modo a
atingir uma das artérias ou veias principais do bicho, próximo do
coração, fazendo-o sangrar até à exaustão. O sangue era aparado
no alguidar e continuamente mexido para não coagular de imediato.
Iria mais tarde servir para as morcelas e sopa de cachola.
O animal esperneava violentamente, pelo
que tinha de ser bem seguro, pelas patas, orelhas e rabo. Depois de
morto (esticar o pernirl), passava-se à fase de chamuscar e lavar.
Com a ajuda de carqueja a arder, era queimado o pêlo e arrancadas as
unhas e a ponta do focinho. (Hoje usa-se o maçarico a gás). De
seguida, era bem raspado, esfregado e lavado, com a ajuda de facas
afiadas, carqueja verde, ou um pedaço de telha. Por vezes, as
“cerdas” era aproveitadas pelos sapateiros, para aponta das
linhas de cozer o calçado.
De seguida, era colocado o chambaril
nos tendões das patas pendurado, de cabeça para baixo e era então
aberto pela barriga, retiradas as tripas e separadas as restantes
vísceras. Ficava depois algumas horas a escorrer os restos de sangue
ou água para um recipiente e arrefecia completamente.
As mulheres iam ao ribeiro, para
lavarem as tripas. Bem lavadas e esfregadas com sal e casca e sumo de
laranja, que seriam depois aproveitadas para fazer os diversos
enchidos. Enquanto isso, os homens aproveitarem o tempo para uma
pausa, e provarem o “taimeiro”.
Para o almoço do dia da matança era
muitas vezes logo feita a sopa de cachola e ao jantar as couves de
laburdo. No final do dia eram feitos os primeiros enchidos, as
morcelas.Com agilidade, as tripas eram enchidas, com a ajuda de uma
enchedeira, cosidas com linha ou fio grosso e cortadas à maneira!
Depois eram fervidas em água e postas nas varas do fumeiro, com lume
constante durante vários dias.
No início dessa mesma noite ou no dia
seguinte, o porco era descido do chambaril e desmanchado, separando
as carnes a salgar -toucinho, presuntos, chispes, cabeça, pés- da
carne para consumo fresco ou que iria ser usada nos restantes
enchidos. Assim, a carne magra servia para fazer os chouriços
magros, paios, painhos e lombos e a mais com sangue era para os
mouros, e cacholeiras. usava-se junco verde para cobrir o chão onde
se executavam estas tarefas.
Os enchidos eram feitos dois dias
depois. As carnes ficavam migadas em alguidares onde eram temperadas
com condimentos (sal, colorau, alho, cominhos, vinho, etc.) e eram
provadas, grelhadas no espeto até afinar o tempero.
As farinheiras eram as últimas, à
base de banhas, carne gorda e toucinho, a qual era misturada com
farinha. Por isso, também eram feitas em maior quantidade que os
outros enchidos e duravam para (quase) todo o ano.
Por vezes, havia ainda quem
aproveitasse restos de massa das farinheiras, juntasse um pouco mais
de carne e fizesse “caçarrapos” que eram fritos às colheradas e
comidos ainda quentes.
Como não havia arcas frigoríficas a
maior parte da carne era salgada e guardada na salgadeira. Febras e
costelas eram conservadas em toucinho derretido (banha), durante
algumas semanas até ser totalmente consumida.
* Texto de Joaquim Marques in "O
Montesinho" - Dezembro de 2010
Fotos de Mário Mendes
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