Não é metafórico mas poderia ser ou quem dera que fosse. De uma forma ou de outra, o desassossego é total.
Durante a 2ª Grande Guerra, a prática do blackout tornou-se comum. Tratava-se de uma maneira de tentar desnortear os alemães e os ataques mortais que dirigiam com a frota aérea. Esconder até ao limite tudo quanto fosse iluminação, uma rotina que já não tinha segredos. A expressão “às escuras” pode ter outros significados. Quando não percebemos nada do que se passa à nossa volta ou quando não apanhamos parte de uma conversa, ou quando desconhecemos os argumentos de uma determinada discussão, na gíria, estamos “às escuras”.
Subitamente “às escuras” ganhou uma nova luz. Com significado político evidente. Na Europa ou por cá. As hesitações que testemunhamos na condução da Europa são mesmo de quem está “às escuras” e a prová-lo aí estão os passinhos muito tímidos que se vão dando relativamente ao problema da invasão da Ucrânia. Chegaremos lá mas parece-me difícil aplicar aqui o provérbio “devagar se vai ao longe”. Em breve terão passado seis meses sobre o início da guerra e os europeus (talvez o mundo) não conseguem entender a continuação da guerra, não conseguem aceitar a guerra de novo em território europeu, a bestialidade à solta, o Viva la muerte em versão russa. Para além destas interrogações, países há que aproveitam para ir mais longe fazendo declarações indubitavelmente racistas. A Hungria pisa o risco vezes sem conta, sem nada fazer, estpefactos ficamos todos à espera da próxima investida. Ela ousa, e a Europa apaga-se. De Itália também chegam notícias preocupantes, a direita vai mesmo alcandorar-se no poder? Tudo leva a crer. Faltam análises e propostas convincentes, mobilizadoras e liderança para as pôr em prática; sobra uma certa apatia, quem conhece o conforto chama-lhe seu, os outros que se governem. A dúvida e o receio são o nosso dia-a-dia e por este andar continuaremos “às escuras”.
Não precisávamos de mais tempero quando se instala a confusão com o fornecimento do gás russo. Mas os políticos não sabiam que “pôr todos os ovos no mesmo cesto” é absolutamente desaconselhável, será que os políticos acreditaram na bondade dos russos, que fizeram à estratégia? Face à inevitável escassez, ouvem-se os primeiros avisos: é preciso cortar, poupar a todo o custo. Os alemães foram os primeiros a adoptar medidas de poupança, pudera. Voluntariamente, vão colocar-se “às escuras”, que o inverno é duro naquelas paragens.
Em Portugal, a política não alterou nada da sua matriz. Quando se começou a equacionar o problema do gás, era tudo boas notícias. O problema não chegaria aqui, havia reservas. Depois, Bruxelas exigiu uma redução de 15% no consumo da energia, Portugal insurgiu-se com voz grossa mas, decorridos uns dias, a voz perdeu a espessura e afinal sempre vamos ter de poupar. Percebe-se que poupemos, talvez não se possa mesmo escapar mas veremos se a parte de leão não caberá a quem tem menos rendimentos. Num país com déficit de esclarecimento e de iluminação, ainda mais “às escuras” ficaremos.
A poupança obrigatória é má pelo que significa mas o pior é sem dúvida a bazófia do governo sobre as nossas potencialidades e reservas. O que era aquilo de uma colaboração com Espanha? E as ligações à Europa? Temas ora abordados ora esquecidos que agora talvez avancem empurrados pelo interesse alemão. Afinal, como em tantos aspectos fundamentais do nosso quotidiano político – o SNS, o ensino, o planeamento para prevenir os fogos, a cultura – o governo mostra-se incapaz de avançar com soluções satisfatórias, dificilmente assume posições unívocas. Falta clareza, as questões são trazidas para a praça pública mal pensadas, pior equacionadas, muito empoladas, acabam por se esvaziar. O número de governantes e de outros responsáveis que passam pelo Parlamento para explicarem o que disseram ou fizeram é disso testemunho. Vêm ao Parlamento trazer alguma luz porque, verdade verdadinha, vivemos “às escuras”, em plenitude.
* Maria Luísa Cabral in "esquerda.net" - 22/8/2022