6.2.19

OPINIÃO: O banco que nos resta

A fatura do buraco do BES, revertida a favor do dono privado do Novo Banco, pode ultrapassar os 5500 milhões, e ainda não fechou. Não está muito distante dos valores gastos no BPN, vendido por uma ninharia ao capital angolano do BIC. E não esqueçamos o Banif, comprado pelo Santander por 150 milhões, depois de uma injeção direta de 2250 milhões.
Qualquer destes bancos usou dos seus lucros para enriquecer os seus acionistas, foi depois limpo com dinheiros públicos, e voltou a ser entregue ao privado. O Estado resgatou mas não é proprietário, o país pagou mas não manda nos bancos, que são agora controlados por capitais estrangeiros. A exceção é a Caixa Geral de Depósitos, recentemente recapitalizada.
O relatório da auditoria à Caixa revela falhas muito graves na forma como eram decididos os créditos. Aprendemos da forma mais difícil que os negócios ruinosos não são um exclusivo do banco público, mas isso não nos deve tranquilizar. Torna-se cada vez mais óbvio que a Caixa se envolveu em operações inexplicáveis fora de uma lógica submissão a interesses particulares. Depois de concluída a recapitalização, e na posse dos resultados da auditoria entretanto realizada, o Parlamento tem novas condições e novos poderes (no acesso a informação em segredo bancário), para escrutinar o passado da Caixa, sem assombros nem fantasmas.
Outro caso em que a Caixa foi presa fácil da ganância dos privados está à vista na venda da Fidelidade. Entre 2000 e 2011, a Caixa teve lucros e entregou ao Estado 2600 milhões em dividendos. Logo a seguir aos serviços bancários, o maior contributo para esses lucros veio da área seguradora, que manteve resultados positivos mesmo nos piores anos da crise, e que foi privatizada em 2014 por 1250 milhões. O número, que foi apresentado como mais uma prova da saída limpa, escondia um truque.
A Caixa perdia a Fidelidade, mas a Fidelidade não perdia a Caixa: durante 25 anos o banco venderá em exclusivo os produtos desta seguradora, recebendo comissões muito abaixo da média de mercado. Os detalhes do contrato não são conhecidos, mas as contas por baixo feitas pela revista "Sábado" apontam para uma perda de receita na ordem dos 400 milhões, cerca de um terço do contributo da área dos seguros para os resultados da Caixa entre 2000 e 2014.
Conhecer o passado é uma forma de proteger o banco público no futuro, para que possa cumprir o seu desígnio estratégico de apoio à economia e ao emprego, coisa em que tantas vezes falhou até aqui. É bom que o façamos, porque a Caixa é o banco que nos resta.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 5/2/2019