3.2.19

OPINIÃO: Uma violação é uma violação, é uma violação, é uma violação

A reportagem de Miriam Alves na SIC sobre vítimas de violação – crime, silêncio e preconceito - e a resposta da Justiça face a casos determinados é uma lição que, porventura, muitos não quererão saber, mas que importava que todos quisessem saber. Saber que as violações são um crime sexual que não tem vindo a diminuir. Que as vítimas, pela lei, têm apenas seis meses para fazer queixa. Saber que a vergonha e a culpa paralisam as vítimas. Que a lei tem em conta o arguido, mas talvez não tenha, como deveria ter, as vítimas.
Uma jovem inglesa, Kate Alice Juby, foi violada no Algarve, pedia boleia para chegar a Faro, estava de regresso a casa depois de umas férias ao sol. A jovem foi agredida múltiplas vezes: pelo agressor, pela frieza dos agentes de autoridade, pelos médicos. Foram-lhe injectados anti-retrovirais, anti inflamatórios, antibióticos. A descrição que a jovem faz do atendimento hospitalar é medonha. Diz, na reportagem exibida na SIC, que foi um calvário. Ao fim de oito horas, foi para casa. Ao fim de um ano, regressou para ir a tribunal. Só teve um advogado, em actividade pro bono, poucos dias antes da sessão de julgamento. Teve direito a um pedido de desculpa e a pedido de acordo. Corajosa, avançou para tribunal. O arguido obteve pena suspensa, Kate teve direito a dois mil euros de indemnização. Justiça? Não sentiu nenhuma. Disse à jornalista da SIC que não importa falar apenas sobre a violação, é crucial falar sobre o que acontece a seguir, a vergonha, a pressão das outras pessoas a agudizar um sentimento de culpa – perguntaram-lhe várias vezes como é que ia vestida –, o viver com medo a partir daí. Kate sabia que nunca mais seria a mesma pessoa e a alegria foi-lhe roubada aos vinte e poucos anos. Justiça? Nenhuma. “Vivo a medo. Penso nisto todos os dias. Parece que me acontece uma vez e outra, e outra nos meus pesadelos”, explica a vítima.

Uma mulher foi violada pelo psiquiatra. Estava num estado de gravidez avançado, no quinto mês de gravidez. Estava fragilizada e medicada. Nove anos depois, conta a sua história e mantém o sentimento de revolta. Diz que sobreviveu. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto mandou dizer que não havia indícios de maus tratos. O psiquiatra teve um rol de testemunhas abonatórias. Conclusão: se a cara não estiver desfeita, pois não é exactamente uma violação e o psiquiatra foi absolvido. A Ordem dos Psiquiatras expulsou o médico em questão.
É de louvar a coragem das vítimas ao darem o seu testemunho público, é de louvar o jornalismo. O que não é de louvar é o silêncio, o crime e o preconceito, como sublinhou a jornalista Miriam Alves. O que não é de louvar é a justiça.
O que não é de louvar é existir em Portugal um corpo de juízes que tem falhas sucessivas. O exemplo mais gritante, além dos referidos nos casos acima, talvez seja a do juiz Neto de Moura, que há um ano espera sofrer consequências de disparates como: “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte". Esta é uma das frases do acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Uma mulher, vítima de maus tratos não é, para a Justiça à portuguesa, uma vítima.
O caso da mulher adúltera, como ficou conhecido, provocou manifestações, petições e ainda a criação de um observatório para analisar decisões judiciais. Esta semana, o Conselho Superior da Magistratura rejeitou uma proposta de arquivamento do processo disciplinar instaurado ao juiz Neto de Moura. Sobre o tal observatório não há novas. Dia 5 de Fevereiro o Conselho Superior da Magistratura dirá mais coisas sobre a sanção a aplicar ao juiz. Quantos casos de violência doméstica, abuso, maus tratos passaram pelas mãos deste juiz? Fica a pergunta.
Patrícia Reis in www.24sapo.pt