A reportagem de Miriam Alves na SIC sobre vítimas de
violação – crime, silêncio e preconceito - e a resposta da Justiça face a casos
determinados é uma lição que, porventura, muitos não quererão saber, mas que
importava que todos quisessem saber. Saber que as violações são um crime sexual
que não tem vindo a diminuir. Que as vítimas, pela lei, têm apenas seis meses
para fazer queixa. Saber que a vergonha e a culpa paralisam as vítimas. Que a
lei tem em conta o arguido, mas talvez não tenha, como deveria ter, as vítimas.
Uma jovem inglesa, Kate Alice Juby, foi violada no Algarve,
pedia boleia para chegar a Faro, estava de regresso a casa depois de umas
férias ao sol. A jovem foi agredida múltiplas vezes: pelo agressor, pela frieza
dos agentes de autoridade, pelos médicos. Foram-lhe injectados
anti-retrovirais, anti inflamatórios, antibióticos. A descrição que a jovem faz
do atendimento hospitalar é medonha. Diz, na reportagem exibida na SIC, que foi
um calvário. Ao fim de oito horas, foi para casa. Ao fim de um ano, regressou
para ir a tribunal. Só teve um advogado, em actividade pro bono, poucos dias
antes da sessão de julgamento. Teve direito a um pedido de desculpa e a pedido
de acordo. Corajosa, avançou para tribunal. O arguido obteve pena suspensa,
Kate teve direito a dois mil euros de indemnização. Justiça? Não sentiu
nenhuma. Disse à jornalista da SIC que não importa falar apenas sobre a
violação, é crucial falar sobre o que acontece a seguir, a vergonha, a pressão das
outras pessoas a agudizar um sentimento de culpa – perguntaram-lhe várias vezes
como é que ia vestida –, o viver com medo a partir daí. Kate sabia que nunca
mais seria a mesma pessoa e a alegria foi-lhe roubada aos vinte e poucos anos.
Justiça? Nenhuma. “Vivo a medo. Penso nisto todos os dias. Parece que me
acontece uma vez e outra, e outra nos meus pesadelos”, explica a vítima.
Uma mulher foi violada pelo psiquiatra. Estava num estado de
gravidez avançado, no quinto mês de gravidez. Estava fragilizada e medicada.
Nove anos depois, conta a sua história e mantém o sentimento de revolta. Diz
que sobreviveu. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto mandou dizer que não
havia indícios de maus tratos. O psiquiatra teve um rol de testemunhas
abonatórias. Conclusão: se a cara não estiver desfeita, pois não é exactamente
uma violação e o psiquiatra foi absolvido. A Ordem dos Psiquiatras expulsou o
médico em questão.
É de louvar a coragem das vítimas ao darem o seu testemunho
público, é de louvar o jornalismo. O que não é de louvar é o silêncio, o crime
e o preconceito, como sublinhou a jornalista Miriam Alves. O que não é de
louvar é a justiça.
O que não é de louvar é existir em Portugal um corpo de
juízes que tem falhas sucessivas. O exemplo mais gritante, além dos referidos
nos casos acima, talvez seja a do juiz Neto de Moura, que há um ano espera
sofrer consequências de disparates como: “O adultério da mulher é um gravíssimo
atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher
adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher
adúltera deve ser punida com a morte". Esta é uma das frases do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto. Uma mulher, vítima de maus tratos não é, para a
Justiça à portuguesa, uma vítima.
O caso da mulher adúltera, como ficou conhecido, provocou
manifestações, petições e ainda a criação de um observatório para analisar
decisões judiciais. Esta semana, o Conselho Superior da Magistratura rejeitou
uma proposta de arquivamento do processo disciplinar instaurado ao juiz Neto de
Moura. Sobre o tal observatório não há novas. Dia 5 de Fevereiro o Conselho
Superior da Magistratura dirá mais coisas sobre a sanção a aplicar ao juiz.
Quantos casos de violência doméstica, abuso, maus tratos passaram pelas mãos
deste juiz? Fica a pergunta.
Patrícia Reis in www.24sapo.pt