O microfone dado a
Bruno de Carvalho, por vários canais de televisão, na tarde de sábado, para que
ele dissesse tudo o que lhe apetecia, ao longo de duas penosas horas, foi uma
demissão do jornalismo.
A primeira página do
The Observer puxa para o topo um título que agarra o essencial, que será
legítimo traduzir nesta frase: “Duas pessoas apaixonaram-se e nós estivemos lá
todos”. O casamento em Windsor mostrou como a casa real britânica (há quem lhe
chame “A Firma”) é uma marca que gere a comunicação com extraordinária
competência e perfeição, capaz de suscitar fascínio e ilusão com o sonho que é
exibido. As televisões portuguesas, tal como as de todo o mundo, passaram a
manhã e entraram pela tarde de sábado a mostrar esse conto de fadas.
Seguiu-se em vários dos canais portugueses um espetáculo degradante: o direto, ao longo de duas horas, com o palavreado boçal e rasca da criatura que desesperadamente se agarra à presidência do Sporting.
Seguiu-se em vários dos canais portugueses um espetáculo degradante: o direto, ao longo de duas horas, com o palavreado boçal e rasca da criatura que desesperadamente se agarra à presidência do Sporting.
É sabido que o
jornalismo de qualidade é um pilar da democracia. Contribuir para uma sociedade
informada, dar os elementos que ajudam cada pessoa a entender o que de
relevante se passa à sua volta, permitir perceber as mudanças, é uma
responsabilidade principal dos jornalistas. A missão implica que o jornalista
estude de modo aprofundado tudo o que está em causa na matéria que tem para
contar, de modo a poder enquadrá-la.
O tratamento das várias
vertentes do “caso Sporting” impõe-se, mas é preciso ter em conta os limites do
razoável. O microfone dado a Bruno de Carvalho, por vários canais de televisão,
na tarde de sábado, para que ele dissesse tudo o que lhe apetecia, ao longo de
duas penosas horas, foi uma demissão do jornalismo. É facto que havia a
expectativa de algum anúncio relevante, mas cedo se percebeu que Bruno de
Carvalho não iria anunciar a retirada. Perante a evidência de ausência de
notícia, não fez sentido que a transmissão em direto tenha continuado. É de
desejar que este caso possa ser discutido nas redações para que o relato
jornalístico não fique assaltado por um demagogo que, com argumentação
degradante e lastimável uso da língua portuguesa, consegue ocupar o espaço de
reportagem com propaganda ridícula. Muitas vezes vemos ser cortada a palavra,
em nome do tempo útil, a quem tem conhecimento com valor para dizer. Tudo o que
Bruno de Carvalho disse naquelas duas horas caberia em dois minutos de relato
de um repórter.
Tempo mais do que suficiente para contar duas horas de
envenenamento.Que contraste com o
apaixonado e mobilizador sermão do bispo Michael Curry, que usou o justificado
direto planetário a partir da capela de São Jorge no castelo de Windsor, para
explicar a todos o poder revolucionário do amor.Os britânicos têm o
culto dos casamentos que envolvem a realeza. Sabem transformá-los em sucesso
popular com êxito comercial, através da venda de toda a espécie de adereços
alusivos. Os noivos de agora, salvo catástrofe total, nunca vão reinar – Harry
é sexto na linha de sucessão. Porém, “A Firma” dos Windsor teve, uma vez mais,
a sabedoria para - por mais que o poder hereditário com os privilégios oferecidos
pela graça única do berço familiar, no século XXI, seja obsoleto - oferecer ao
mundo, com alta potência mediática, um conto de fadas com valor inclusivo e
lado humano a não desprezar. Viu-se como comunidades com outra cor de pele se
congratulam pela entrada da mulata Meghan, sem ambiguidades étnicas, na área de
poder dos palácios reais britânicos, esperança de apoio num tempo de crescente
intolerância no Reino Unido em
Brexit. A formidável máquina de “A Firma” sabe mostrar magia.
Já tinha mostrado esse talento há 21 anos, quando conseguiu tirar Buckingham do
inferno, após a morte de Diana, “princesa do povo".
Francisco Sena Santos - in http://24.sapo.pt - 21 mai 2018
Francisco Sena Santos - in http://24.sapo.pt - 21 mai 2018