O Governo decidiu alterar unilateralmente as metas do défice
negociadas para o Orçamento do Estado para 2018 e condicionar as negociações
para 2019, afastando à partida aumentos salariais na Função Pública. É um mau
prelúdio para as negociações do último Orçamento da legislatura.
Esta postura baseia-se em dois equívocos. O primeiro é que a
recuperação da economia portuguesa não resulta sobretudo das medidas negociadas
à Esquerda, mas unicamente de uma credibilidade assente em brilharetes
orçamentais. O segundo equívoco é que o Ministro das Finanças pode dispensar a
negociação com a maioria parlamentar.
Quando, em dezembro passado, votamos o Orçamento para 2018,
fizemo-lo conscientes das suas limitações, definidas nas metas do défice
prometidas pelo Governo a Bruxelas. Foram essas metas que nos impediram de ir
mais longe no reforço do investimento, dos serviços públicos e da recuperação
de rendimentos. Não se compreende, por isso, que agora o Governo reveja em
baixa a meta para o défice, meta que já traduzia um difícil compromisso
político, votado na Assembleia da República. Se atingimos o objetivo de, com
crescimento económico, criar folga orçamental, essa folga tem de ser investida
no país e não permite ir além das metas que formaram o quadro orçamental
acordado.
Com a mesma incompreensão se lê outro anúncio com que Mário
Centeno pretende definir à partida um orçamento que ainda não negociou: o de
que não haverá aumentos para os trabalhadores do Estado no próximo ano. A
Função Pública tem os salários congelados há uma década e não há regresso à
normalidade sem atualização salarial. Não é aceitável que as escolhas sobre as
prioridades orçamentais do próximo ano sejam objeto de vetos unilaterais antes
de qualquer discussão e com os tiques de uma maioria absoluta que não existe.
O Governo do PS faz mal em pôr em causa a estabilidade da
atual solução parlamentar, a maioria que impôs mudanças importantes no contexto
de um Governo minoritário. Estamos a um ano e meio das eleições e temos um
Orçamento para executar e outro para negociar e votar. As expectativas do país
são altas, como bem se viu na importante mobilização no setor das artes, e há
muito por fazer. Aconselha-se tranquilidade e modéstia quanto baste.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 10/4/2018