Tempos houve em que de Nisa saiam,
todos os anos, pelo Verão, rumo aos montados do Ribatejo e do Alentejo Litoral
(Alcácer do Sal e Santiago do Cacém) dezenas de homens, especializados numa
difícil quão dura arte: a de tiradores de cortiça.
António da Graça Policarpo, 65
anos, nascido na "Vila" (freguesia de Nossa Senhora da Graça) é um
desses homens para quem a cortiça não tem segredos, seja na escolha, na tiragem ou até na forma como, em gestos
vigorosos e precisos golpes da faca, a vai submetendo aos ditames da imaginação
e criando obras de arte ou utensílios. Já lá vamos, a este ponto.
A história de vida de António
Policarpo, é um pouco a de quase todos os nisenses que repartiram a sua existência
activa entre a labuta no campo e a aventura em terras de França na busca de um
futuro melhor. Deixemos que ele no-la conte, pelas suas palavras.
"Trabalhei sempre em
cortiças e madeiras por conta de outro. Em 1966, quando fui para França, já
comprava umas mãos cheias de arrobas de cortiça. Estive lá durante dez anos e
depois voltei para Portugal e colectei-me nas Finanças como comprador de
cortiça por conta própria. Andei nesta vida durante vinte anos, como comprador
e tirador de cortiça, até que tive um acidente, caí de um sobreiro e fui
obrigado a parar a actividade."
O acidente representou um duro
golpe para António Policarpo. Habituado à vida do campo e a trabalhar com a
cortiça, não desistiu e logo que as forças o permitiram começou a dedicar-se ao
artesanato.
" Comecei há mais de 20
anos, com uma pequena exposição de algumas peças na Feira do Livro, na antiga
Escola. Havia dezenas de livros e também algumas peças de artesanato em cortiça. As pessoas
gostaram, as peças começaram a ter saída
e eu fui fazendo sempre novas peças, umas por encomenda, outras pela minha
vontade. As primeiras que eu fiz - ainda hoje são as mais procuradas - foram
couchos para as sopas de peixe. Tenho feito muitos. Vi uma revista e a partir
daí fiz um barco com a bandeira francesa, que deixei em França. Comecei
também a fazer canados (tarros) e a partir daí faço qualquer objecto."
Manusear a faca, afiada, para
transformar a cortiça numa peça decorativa ou utensílio é uma tarefa que
oferece algum perigo e requer muita atenção. Um pequeno descuido pode
significar um corte profundo e uma lesão (ferida) para durar semanas ou meses a
curar.
"As peças que mais faço são
os canados. Mas há pouco fiz uma imagem do Santo António em cortiça e toda a
gente me diz que está bem feito e para continuar. As peças que eu faço são
vendidas a gente de fora, pessoas que vêm de longe à minha procura. As que eu
vendo mais agora são os bancos de cortiça (tripeça) que vão para a zona de
Coimbra.
"Quando tinha saúde era um
homem rico na minha arte", confessa. "Tirei centenas de arrobas de
cortiça sozinho".
Graças à beleza e inovação das
peças que cria, António Policarpo não tem mãos a medir para responder aos
convites para participar em Feiras de Artesanato que se realizam um pouco por
todo o país, entre estas a FIL.
Chapéus, botas, couchos
adegueiros, barril e tapetes, são algumas das peças e de utensílios que mostrou
no Cine Teatro, por ocasião da visita do senhor Presidente da República.
Imponente, majestoso, é o tronco com duas pernadas, em cortiça que retirou, há
anos, da árvore, apenas com um rasgo feito pelo machado. É uma peça notável,
pelo tamanho e que mostra a precisão do artista.
A sua casa, junto ao Bairro Luís
de Camões é um autêntico museu da arte de bem trabalhar a cortiça. É lá que
António Policarpo recebe quem procura um coucho, um canado (tarro) ou outra
qualquer peça utilitária, ou tão somente, mostrar as peças feitas a partir de
um dos mais característicos e emblemáticos produtos da nossa terra: a cortiça.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" -