22.4.18

ABRIL CONTINUA EM CADA UM DE NÓS...

Era uma vez… uma história de encantar!
Ainda me lembro de ouvir cantar a “Grândola vila morena…” e ver o saudosismo e orgulho plasmado nos olhos dos meus pais. Era um conto de fadas, daqueles que pensamos terminar bem e onde os heróis “vivem felizes para sempre”. Esse sonho, qual bola de cristal, caiu e despedaçou-se em mil pedaços. Quem o deixou cair? Quem o partiu? Todos e cada um de nós.

Há quem clame “Abril, onde estás tu?”. Eu digo: Abril continua em cada um de nós, novos e velhos. Esses pedaços que caíram ficaram implementados dentro de cada um de nós. O que nos impede de lutar ainda por esses ideias que são tão caros e tão valorosos?
Depois do 25 de Abril demos a liberdade por garantida. É um direito e como tal devemos tê-lo sem o exigir. No entanto, não será bem assim. Liberdade é reflexão e construção, e não algo que se exija. Se os ideais de Abril permanecem no passado, é porque deixamos de reflectir sobre o que se passa à nossa volta, e de continuar a construir sobre as pedras lançadas.
Nesta sociedade “fast food” onde Temos de Ter Tudo o que Queremos no aqui e agora, esquecemo-nos de como é construir objectivos e lutar por eles, sejam eles de que nível forem. Tornamo-nos intolerantes à frustração e o acumular de obstáculos e de fracassos (será que são fracassos?) criaram uma sensação de desamparo em todos nós – “Quem sou eu? Não são os meus actos que vão fazer a diferença?”. A verdade é que mesmo que sejamos uma gota de água, se nos unirmos passamos a chuva, regato, rio e mar.
A esta sensação de desamparo junta-se a desresponsabilização – alguém há-de fazer isso por mim. Mas liberdade é ter consciência. Ter consciência que os nossos actos, ou ausência deles têm consequências e temos que nos responsabilizar por aquilo que fazemos, não podendo atribuir as culpas aos outros. Qual Síndrome de Kalimero – “É uma injustiça!” Até pode ser uma injustiça. Mas que fizemos nós para corrigir essa injustiça.
Abril lembra liberdade. Abril lembra a continuidade do esforço, lembra a esperança e a consciência de direitos e deveres. O dizer não!
Façam a seguinte experiência. Ponha a mão no ar quem tem dificuldade em dizer não, quando realmente não quer ou não pode fazer algo. O que vêem? Pode acontecer duas coisas: colocam a mão no ar, independentemente daquilo que os outros possam pensar. Ou pensam “eu não consigo dizer não, mas não vou pôr a mão no ar, para não fazer figuras tristes”. Pois Abril é pôr a mão no ar, apesar de tudo aquilo que possa acontecer. Abril é pôr a mão no ar.
Vânia Cunha in "Jornal de Nisa" - Abril 2006