Era uma vez… uma
história de encantar!
Ainda me lembro de
ouvir cantar a “Grândola vila morena…” e ver o saudosismo e orgulho plasmado
nos olhos dos meus pais. Era um conto de fadas, daqueles que pensamos terminar
bem e onde os heróis “vivem felizes para sempre”. Esse sonho, qual bola de
cristal, caiu e despedaçou-se em mil pedaços. Quem o deixou cair? Quem o
partiu? Todos e cada um de nós.
Há quem clame “Abril,
onde estás tu?”. Eu digo: Abril continua em cada um de nós, novos e velhos.
Esses pedaços que caíram ficaram implementados dentro de cada um de nós. O que
nos impede de lutar ainda por esses ideias que são tão caros e tão valorosos?
Depois do 25 de Abril
demos a liberdade por garantida. É um direito e como tal devemos tê-lo sem o
exigir. No entanto, não será bem assim. Liberdade é reflexão e construção, e
não algo que se exija. Se os ideais de Abril permanecem no passado, é porque
deixamos de reflectir sobre o que se passa à nossa volta, e de continuar a
construir sobre as pedras lançadas.
Nesta sociedade “fast
food” onde Temos de Ter Tudo o que Queremos no aqui e agora, esquecemo-nos de
como é construir objectivos e lutar por eles, sejam eles de que nível forem.
Tornamo-nos intolerantes à frustração e o acumular de obstáculos e de fracassos
(será que são fracassos?) criaram uma sensação de desamparo em todos nós –
“Quem sou eu? Não são os meus actos que vão fazer a diferença?”. A verdade é
que mesmo que sejamos uma gota de água, se nos unirmos passamos a chuva,
regato, rio e mar.
A esta sensação de desamparo
junta-se a desresponsabilização – alguém há-de fazer isso por mim. Mas
liberdade é ter consciência. Ter consciência que os nossos actos, ou ausência
deles têm consequências e temos que nos responsabilizar por aquilo que fazemos,
não podendo atribuir as culpas aos outros. Qual Síndrome de Kalimero – “É uma
injustiça!” Até pode ser uma injustiça. Mas que fizemos nós para corrigir essa
injustiça.
Abril lembra liberdade.
Abril lembra a continuidade do esforço, lembra a esperança e a consciência de
direitos e deveres. O dizer não!
Façam a seguinte
experiência. Ponha a mão no ar quem tem dificuldade em dizer não, quando
realmente não quer ou não pode fazer algo. O que vêem? Pode acontecer duas
coisas: colocam a mão no ar, independentemente daquilo que os outros possam
pensar. Ou pensam “eu não consigo dizer não, mas não vou pôr a mão no ar, para
não fazer figuras tristes”. Pois Abril é pôr a mão no ar, apesar de tudo aquilo
que possa acontecer. Abril é pôr a mão no ar.
Vânia Cunha in "Jornal de Nisa" - Abril 2006