É como uma guerra silenciosa, que mata devagar. Os dados
surgem isolados, dia após dia, o que nos faz esquecer a dimensão dos danos
causados por acidentes rodoviários. Em 2016 houve 529 vítimas mortais e em 2017
os valores da mortalidade estão a aproximar-se dos níveis de 2012, ano em que
morreram 667 pessoas. São quase duas mortes por dia. A que se juntam, em média,
mais de quatro feridos graves, muitos com lesões incapacitantes e elevados
custos sociais.
Por demoras que cruzam os dois últimos governos, estivemos
quase um ano sem um plano estratégico de prevenção em vigor. O atual, aprovado
em junho, tem metas apenas para 2020, sem um calendário intercalar exigente. As
vistorias às estradas nacionais, previstas na lei desde 1998, continuam a não
sair do papel. E muitas medidas de educação noutros tempos ensaiadas,
nomeadamente com escolas de prevenção para os mais novos, ficaram parcialmente
por concretizar.
Sabemos que esbarramos sempre, seja qual for a área de
intervenção, no problema dos recursos orçamentais. Mas essa nem sequer será a
questão decisiva nesta área: bastaria reduzir a zero a prescrição de multas
para aumentar as verbas disponíveis e em simultâneo reforçar a consciência
cívica dos automobilistas. Fazer mais em prevenção rodoviária é acima de tudo
uma questão de vontade.
Não se trata, obviamente, apenas de vontade política. Mas
Governo e autarquias têm de ser os primeiros a assumir a responsabilidade de
criar, nas infraestruturas e nas prioridades de fiscalização, condições de
segurança para minimizar as consequências dos acidentes. Ao mesmo tempo que é
urgente fazer mais pela criação de uma cultura de segurança. Sem nunca
perdermos de vista que uma viatura pode tornar-se uma arma. Mortífera tanto
para quem a conduz como para aqueles com quem vai cruzar-se.
Todos, ao volante, continuamos a ter comportamentos de
risco. O uso de telemóvel, por exemplo, é uma das doenças dos tempos modernos
que mais contribuem para agravar o perigo. Claro que nem só de multas deveria
fazer-se a ação das polícias e é pena que muitas vezes a prioridade seja dada à
fiscalização. Seria bom, enquanto cidadãos, unirmos esforços para exigir e
promover ações efetivas de prevenção. Para que esta epidemia deixe de causar
tantas mortes evitáveis. E por isso mesmo inaceitáveis.
Inês Cardoso - in "Jornal de Notícias" - 27/11/2017