A Velhice Pede Desculpas
Tão velho estou como árvore no
inverno,
vulcão sufocado, pássaro
sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras
baixas,
acostumado apenas ao som das
músicas,
à forma das letras.
Fere-me a luz das lâmpadas, o
grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e
brando
e uma voz que não me canso, muito
longe, de ouvir.
Desculpai-me esta face, que se
fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.
Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil
anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas
intermináveis sombras.
Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da
maior glória,
são na verdade só destroços,
destroços.
Cecília Meireles, in 'Poemas
(1958)'