Análises realizadas
pela Plataforma Transgénicos Fora em colaboração com o Detox Project
(detoxproject.org) evidenciaram níveis inesperados e absolutamente assombrosos
de glifosato (mais conhecido por Roundup), o pesticida químico sintético mais
usado na agricultura portuguesa– e até agora o mais ignorado. Há pelo menos
dez anos que não se conhece qualquer análise oficial à sua presença em
alimentos, solo, água, ar ou pessoas. Este vazio, inédito a nível europeu, é
hoje preenchido parcialmente com os resultados das análises realizadas à urina
de 26 voluntários portugueses e a algumas amostras de alimentos. Portugal tem
agora de encontrar soluções a nível nacional e europeu que esclareçam as razões
de tal contaminação humana e a reduzam em várias ordens de grandeza.
Muito embora o
Ministério da Agricultura mantenha, ao longo de sucessivos governos, um plano
anual de monitorização em alimentos que testa a presença de mais de 300
resíduos de pesticidas, o glifosato tem sido excluído das análises. O mesmo
se passa com a água de consumo, uma vez que o Ministério não inclui o glifosato
na lista de substâncias a pesquisar pelas entidades fornecedoras. Quando
questionado formalmente no início deste ano o mesmo Ministério não apresentou
quaisquer análises, nem mesmo as previstas pelas diretivas técnicas da União
Europeia, afirmando que até à data tinha sido considerado desnecessário incluir
este químico nas suas análises de rotina.
Mas as mais de 1600
toneladas de glifosato vendidas anualmente, que para além de fins agrícolas
também se aplicam abundantemente em zonas urbanas de Norte a Sul do país para
controlo de ervas em ruas e caminhos (salvo nalguns, poucos, municípios), não
desaparecem sem deixar rasto. Elas representam um potencial de contaminação
generalizado que até agora tinha ficado por testar. Hoje começa finalmente a
traçar-se um primeiro quadro onde sobressai a gravidade dessa poluição silenciosa,
invisível e provavelmente mortal (segundo a Organização Mundial de Saúde o
glifosato é provavelmente carcinogénico em humanos e demonstradamente
carcinogénico em animais de laboratório).
Em 26 voluntários
portugueses, o glifosato foi detetado em 100% das análises efetuadas à urina.
Na Suíça, em 2015, uma iniciativa equivalente tinha detetado glifosato em
apenas 38% dos casos e, em 2013, num outro levantamento realizado pela
associação Amigos da Terra em 18 países europeus, estavam contaminadas 44% das
pessoas.
O valor médio de
glifosato na urina dos portugueses testados foi de 26.2 ng/ml (nanogramas por
mililitro). Para referência tome-se a Diretiva da Qualidade da Água: na água de
consumo o glifosato não pode ultrapassar os 0.1 ng/ml. Isto significa que a
quantidade de glifosato agora detetada, se estivesse em água da torneira,
contaminaria essa água 260 vezes acima do limite máximo legal!
A situação noutros
países não é brilhante, mas apresenta-se muito menos grave do que a portuguesa.
O estudo "Urinale 2015", que abrangeu mais de 2000 alemães,
encontrou uma média de apenas 1.1 ng/ml: cerca de 20 vezes abaixo dos
resultados portugueses. Além disso, o valor mais alto detetado na Alemanha foi
de 4.2 ng/ml, enquanto que os valores portugueses variaram entre 12.5 e 32.5
ng/ml. Ou seja, o português menos contaminado tem três vezes mais glifosato que
o pior caso alemão. Outros estudos publicados tipicamente apresentam valores
médios próximos dos alemães.
Mais alguns dados
relevantes a retirar dos resultados nacionais:
– os três voluntários
mais novos (com idades entre os 7 e os 19 anos) apresentaram um valor médio
mais elevado (26.7 ng/ml) que o grupo global, uma desproporção que também foi
identificada no estudo alemão;
– não se detetou
diferença clara na média de valores dos 4 voluntários que, sendo jardineiros
profissionais, poderiam estar mais contaminados do que os restantes (estes
últimos, todos eles habitantes de uma zona urbana e sem exposição
profissional);
– embora o caso com
mais glifosato seja o de um jardineiro, o segundo lugar pertence a um
não-jardineiro;
– os valores acima de
20 ng/ml constituem, face à literatura disponível, as maiores concentrações
jamais medidas em pessoas sem exposição profissional.
Note-se ainda que os
níveis de glifosato na urina representam apenas uma fração da exposição real
(que é inevitavelmente várias vezes superior).
Alguns alimentos foram
também objeto de análise. A Plataforma escolheu o trigo (em grão e em farinha),
a aveia em grão e o leite. Este último não apresentou glifosato detetável, mas
o mesmo não se pode dizer dos cereais. Enquanto que a aveia testada apresentava
10 ng/g (nanogramas por grama), o trigo não processado atingia os 43 ng/g. Já
os resultados em farinha branca tipo 55 deixam entrever que o glifosato não se
limita ao revestimento exterior: o glifosato detetado foi o mais elevado de
todos, com 46 ng/g. Muito embora todos estes valores estejam abaixo dos limites
legalmente estabelecidos eles mostram como o glifosato pode estar a entrar regularmente
na alimentação dos portugueses, o que explicaria um quadro de exposição
crónica.
As análises agora
realizadas pela Plataforma Transgénicos Fora são em pequeno número e não
permitem retirar conclusões definitivas, mas lançam ainda assim fortes alertas.
O Ministério da Agricultura tem de sair do estado de negação profunda em que se
encontra e encarar finalmente o glifosato como o químico tóxico e omnipresente
que de facto é. Não se conhecem ao certo quais as principais vias de exposição,
mas a alimentação e a água são candidatos óbvios e devem começar a ser
amplamente testadas e as fontes de contaminação eliminadas.
Além disso, enquanto
não puser a casa em ordem e reduzir drasticamente os níveis de contaminação em
Portugal, o governo nacional não tem autoridade moral para votar em Bruxelas a
favor da reautorização do glifosato (ou sequer abster-se). Essa votação está prevista
já para este mês de maio num comité técnico onde tem assento o Ministério da
Agricultura. A proibição do glifosato é, aliás, amplamente apoiada pelos
europeus, e os portugueses, face aos resultados aqui apresentados,
dificilmente poderão nutrir qualquer outro sentimento.
A toxicidade do
glifosato não é ainda um facto científico consensual e estabelecido. Além do
cancro, existem na literatura científica diversas publicações que ligam o
glifosato a efeitos teratogénicos (defeitos de nascimento)*10, desregulação
hormonal, toxicidade hepática e renal e até autismo, mas muitos
cientistas, nomeadamente os que têm algum tipo de ligação à indústria,
discordam destes resultados. Na própria Autoridade Europeia de Segurança
Alimentar, uma estrutura da Comissão Europeia, 62% dos especialistas que
integram o painel de avaliação de pesticidas apresentam conflitos de interesse
face às empresas cujos produtos estão a avaliar. De qualquer forma existem
ainda muitas zonas de ignorância e incerteza que justificam uma profunda
desconfiança face aos discursos de segurança das instituições oficiais.
Este cenário é agravado
por dois aspetos adicionais. No caso da desregulação hormonal, por exemplo, não
existem limiares de contaminação aceitável. Ou seja, qualquer concentração é
perigosa e pode desencadear efeitos nefastos. Além disso o glifosato nunca é
usado sozinho: os herbicidas comerciais possuem diversas outras substâncias,
não indicadas no rótulo, que aumentam a agressividade do glifosato e podem ser,
elas próprias, muito tóxicas. Por isso a deteção do glifosato significa a
presença adicional provável de outros químicos que não são de todo considerados
quando se estabelecem os limites legais para cada pesticida.
Enquanto a investigação
adicional não é feita e as dúvidas dissipadas, a única forma de proteger a
saúde pública é através de medidas de precaução: no caso do glifosato isso
implica votar NÃO à sua reautorização (que a Comissão Europeia pretende por
mais 15 anos e o Parlamento Europeu por mais 7 anos).
Em nome da
transparência deve notar-se que as análises foram realizadas por iniciativa
exclusiva da Plataforma Transgénicos Fora que depois obteve a colaboração do
Detox Project. O financiamento foi angariado em fóruns online e junto de
empresas e associações. O custo total – mais de quatro mil euros – foi coberto
da seguinte forma:
- diversas pessoas a
título individual 250€
- duas empresas da área
da agricultura biológica 2225€
- associações membros
da Plataforma (Quercus, Agrobio, Gaia e MPI) 1580€
A Plataforma foi a
única responsável pela condução do processo e pela redação deste comunicado.
Estão disponíveis informações adicionais sobre o método analítico e os
laboratórios envolvidos.
Para mais informações:
91 730 1025 ou info@stopogm.net