(Ou, como um cão surge
numa conversa de gente séria)
Raramente desço à cidade.
O apego ao mundo rural, com todas as suas contradições, é forte de mais.
Em Fevereiro de 1983,
encontraram-se em Altenberg, próximo de Viena, dois cientistas famosos: Karl
Popper – teórico da ciência e filósofo – e Konrad Lorenz – médico, zoólogo e estudioso
do comportamento.
Falaram do seu trabalho
científico, da interpretação dos seu resultados e das suas convicções
filosóficas. A dado passo da conversa, Popper, acariciando o cão de Lorenz,
afirma:
- Faz pena, por
exemplo, que só se possa ter esta relação com um cão. Não se pode explicar ao
cão uma bela teoria.
Ao que Lorenz responde:
- Isso a mim não me interessa. Não espero tal de um cão.
Mas, se não interessa a
Lorenz, interessa-me a mim, alentejano, que possuo um cão, com o qual tenho
longos monólogos, acerca das mais variadas teorias.
É certo que não me
responde, mas que é ouvinte atento, disso não tenha dúvidas.
Vem isto a propósito da
tal ida à cidade. À cidade de Castelo Branco, mais propriamente.
Foi na segunda-feira, a
seguir às eleições autárquicas e para meu pasmo nem um papel, nem um cartaz,
nem um plástico, denunciavam a frenética campanha eleitoral que durante dias
invadira a cidade.
Um amigo, citadino,
explicou-me então que na sexta-feira anterior ao dia das eleições, uma brigada
municipal de limpeza devolvera à cidade a dignidade por que todos os candidatos
se batem.
Ao regressar, que
diferença amigos! Papéis na rua, plásticos rotos esvoaçando ao vento, cartazes
nas paredes, mostravam a diferença entre a cidade limpa e a vila que parecia
continuar em
campanha. Comentei o assunto com o meu cão. E acrescentei no
meu monólogo que o exemplo da cidade não era único, já que, em Vila Velha de Ródão
tinham feito exactamente o mesmo.
O acto cívico do
cidadão eleitor fora cumprido com dignidade no domingo numa “dómus” limpa e
asseada. Não adianta discutir a teoria com o meu cão! Mas que a teoria é
interessante lá isso é!
Propaganda sim e a
necessária, mas só até sexta-feira! Limpe-se a vila e a cidade nesse dia para
que se vote num ambiente limpo, no domingo e se aprecie o ambiente nos dias
imediatos.
A dignidade do acto de
escolha dos nossos representantes não merece ser conspurcado com elementos de
publicidade já sem qualquer utilidade.
Ah! É verdade, Popper,
eu discordo de si. Pode-se explicar uma bela teoria a um cão, não se pode é
esperar que ele a discuta ou sequer que a compreenda! É que o cão não usa a
linguagem. A linguagem que vocemessê disse tornar possível a crítica e através
da crítica o
desenvolvimento de uma cultura.
Zé de Nisa in “Notícias
de Nisa nº19 – 7.1.1998