13.5.16

DO ALTO DO TALEFE (9): Voto limpo em cidade limpa

(Ou, como um cão surge numa conversa de gente séria)
Raramente desço à cidade. O apego ao mundo rural, com todas as suas contradições, é forte de mais.
Em Fevereiro de 1983, encontraram-se em Altenberg, próximo de Viena, dois cientistas famosos: Karl Popper – teórico da ciência e filósofo – e Konrad Lorenz – médico, zoólogo e estudioso do comportamento.
Falaram do seu trabalho científico, da interpretação dos seu resultados e das suas convicções filosóficas. A dado passo da conversa, Popper, acariciando o cão de Lorenz, afirma:
- Faz pena, por exemplo, que só se possa ter esta relação com um cão. Não se pode explicar ao cão uma bela teoria.
Ao que Lorenz responde: - Isso a mim não me interessa. Não espero tal de um cão.
Mas, se não interessa a Lorenz, interessa-me a mim, alentejano, que possuo um cão, com o qual tenho longos monólogos, acerca das mais variadas teorias.
É certo que não me responde, mas que é ouvinte atento, disso não tenha dúvidas.
Vem isto a propósito da tal ida à cidade. À cidade de Castelo Branco, mais propriamente.
Foi na segunda-feira, a seguir às eleições autárquicas e para meu pasmo nem um papel, nem um cartaz, nem um plástico, denunciavam a frenética campanha eleitoral que durante dias invadira a cidade.
As árvores tinham recuperado a sua dignidade e os candeeiros cumpriam a sua função, libertos dos materiais coloridos que durante dias apregoaram aos cidadãos as razões dos candidatos.
Um amigo, citadino, explicou-me então que na sexta-feira anterior ao dia das eleições, uma brigada municipal de limpeza devolvera à cidade a dignidade por que todos os candidatos se batem.
Ao regressar, que diferença amigos! Papéis na rua, plásticos rotos esvoaçando ao vento, cartazes nas paredes, mostravam a diferença entre a cidade limpa e a vila que parecia continuar em campanha. Comentei o assunto com o meu cão. E acrescentei no meu monólogo que o exemplo da cidade não era único, já que, em Vila Velha de Ródão tinham feito exactamente o mesmo.
O acto cívico do cidadão eleitor fora cumprido com dignidade no domingo numa “dómus” limpa e asseada. Não adianta discutir a teoria com o meu cão! Mas que a teoria é interessante lá isso é!
Propaganda sim e a necessária, mas só até sexta-feira! Limpe-se a vila e a cidade nesse dia para que se vote num ambiente limpo, no domingo e se aprecie o ambiente nos dias imediatos.
A dignidade do acto de escolha dos nossos representantes não merece ser conspurcado com elementos de publicidade já sem qualquer utilidade.
Ah! É verdade, Popper, eu discordo de si. Pode-se explicar uma bela teoria a um cão, não se pode é esperar que ele a discuta ou sequer que a compreenda! É que o cão não usa a linguagem. A linguagem que vocemessê disse tornar possível a crítica e através da crítica o desenvolvimento de uma cultura.
Zé de Nisa in “Notícias de Nisa nº19 – 7.1.1998