JOSÉ ANTÓNIO VITORINO - TI ZÉ DO SANTO (1915-1995) - I
O Homem e a Natureza
O Homem e a Natureza
Sob
o meu ponto de vista
Há
na vida tanta empresa,
Não
há força que resista
Á
nossa mãe natureza.
Pus-me
a pensar no destino
Que
o homem sábio conquista,
A
ser grande é pequenino
Sob
o meu ponto de vista.
O
mais leve tremor de terra
Destrói
a maior fortaleza,
A
fabricar armas de guerra
Há
na vida tanta empresa.
Tanto
herói, tanto valente,
Tanto
cobarde egoísta,
À
continuação do tempo
Não
há nada que resista.
Um
castelo, uma muralha,
Construídos
com firmeza,
Nada
pode fazer batalha
À
nossa mãe natureza.
Aprendi
tudo com o tempo,
Com
o tempo tudo perdi(m)
Nada
se cria sem tempo,
Com
o tempo tudo tem fim.
A guerra da bicharada
Nas
quentes manhãs de Julho
É
um gosto ir passear,
Para
ouvir a bicharada,
Uns
com os outros a ralhar.
I
Eu
fui, vi uma formiga
A
discutir com um lacrau,
Jogando
o jogo do pau,
Arranjaram
uma briga.
A
mosca salta-lhe em riba
Para
apaziguar o barulho
A
pulga deu um mergulho
Que
os lançou todos por terra
Já
vi bichos em guerra
Nas
quentes manhãs de Julho.
II
Encontrei
a cigarrega
Metida
numa talisca,
A
olhar para a sardanisca
Que
a queria correr à pedra
Um
sapo todo se arrenega
De
um gafanhoto o pisar
Começa
um rato a saltar
Com
medo de uma carraça
Para
ver tanta desgraça
É
um gosto ir passear.
III
Encontrei
um percevejo
Com
um piolho em discussão,
Só
porque ele ontem ao serão
Lhe
tinha chamado canejo
Quando
mal me descuido, vejo
Uma
cobra enjoelhada
Com
uma pistola atacada
Queria
matar um morcego
Levantei-me
um dia cedo
Para
ouvir a bicharada.
IV
Encontrei
uma centopeia
A
malhar com uma roca
Nas
costas de uma minhoca
Por
lhe ter tombado a ceia.
Na
boca de uma baleia
Vi
uma lesma chocar
Ouvi
um grilo gritar
Porque
um burro lhe pisou o pé
Tinha
que ver o banzé
Uns
com os outros a ralhar.
Ti Zé do Santo
Comemora-se este ano o centenário do nascimento de José António Vitorino, o Ti Zé do Santo, ocorrido a 2 de Fevereiro de 1915 em Salavessa (Montalvão-Nisa).
Homem do campo e quase analfabeto, de muito novo começou a compor versos, as populares décimas, poesia "repentista", nascida quase espontâneamente dos confins da alma e da experiência de uma vida sofrida e amarga. Quadras populares ou décimas que cantava ou declamava nas tabernas e noutros locais onde, frequentemente, apareciam outros cantadores ou declamadores e se "esgrimiam", ao despique, os argumentos poéticos de cada candidato.
Décimas que falavam da dureza da vida rural, do abandono das aldeias e dos campos, do exílio e da emigração. Décimas, muitas delas que só puderam ver a luz do dia após o 25 de Abril porque, brotando da alma, aparentemente ingénua e simples do trabalhador rural, exprimiam, em toda a sua pureza, as amarguras de vidas agarradas à enxada e à dureza da faina agrícola, ao sol ou à chuva, em troca de salários de miséria e de revolta.
Cantigas e décimas, ou vice-versa que, muitas vezes, eram o lenitivo, o afago da alma, aos domingos, para esquecer as vicissitudes de uma semana árdua de labuta e dor.
Versos, muitos versos, décimas alinhavadas em papel, com a escrita do povo, que o Ti Zé do Santo foi guardando e que a paciente determinação do professor doutor António Louro Carrilho - também ele um poeta da luta e da educação e que desapareceu do nosso convívio ainda bastante jovem - transformou na "Terra Pousia", o livro do poeta popular José António Vitorino, dado à estampa em 1996, um ano após a sua morte, numa edição da Câmara Municipal de Nisa.
Partiu o homem bom, generoso, filósofo da vida e da palavra, um amigo que sempre tive e me dedicou particular estima e atenção.
Os poetas de Nisa, de todo o concelho - que os houve e há, muitos e de qualidade - bem merecem que a sua obra seja divulgada. É o que procuraremos fazer neste espaço.
Mário Mendes