15.6.15

Poema inédito de Augusto Pinheiro

Arraial d´Alfama
I
Desde a Rua de S. Pedro
Até às Cruzes da Sé
Há movimento no bairro
Para ver o Arraial
Lá na Rua da Galé
II
Abundam os forasteiros
Dos outros bairros castiços
Não falta a Madragoa
O Bairro Alto e a Mouraria
Parece uma romaria
Desde a boquinha da noite
Até ao romper do dia.
 

Oh Alfama!
Bairro de tradições
Tens um povo bairrista
De alma fadista
Para afogar as paixões.
III
Toca a música
Dança tudo, minha gente
Não falta ninguém na roda
Baila o padeiro
Com a mulher e a sogra
Entra o aguadeiro
Com a tia Constança
P´ra fazero seu pé de dança.

Oh Alfama!
Bairro de tradições
Tens um povo bairrista
De alma fadista
Para afogar as paixões.
IV
Segue a noitada
Cada vez mais animada
Ninguém quer arredar pé
Chega a Micas, Rainha do Bairro
Com o seu par a fazer arraial
É a vedeta genial
Levanta a saia
Mostra a liga
De cor garrida, parece uma ortiga
E, tudo isto é uma cantiga.

Oh Alfama!
Bairro de tradições
Tens um povo bairrista
De alma fadista
Para afogar as paixões.
V
Cantigas e fados
Há por todos os lados
E o povo jubila encantado
É já alta a noite
As tascas abertas
Vai alta a maré
E o China não se pode por em pé
Vai em charola
Numa padiola
Com tochas acesas
E capa de burel
P´ro altar de S. Miguel
 

Oh Alfama!
Bairro de tradições
Tens um povo bairrista
De alma fadista
Para afogar as paixões.
VI
Cantam os galos
E esconde-se o luar
Os foliões não querem abalar
Está a romper o dia
Apagam-se as luzes
Há grande gritaria
No Beco do Mexia
Vai haver festa no Beco das Cruzes
Começa a zaragata
Com linguado e pancada
Há gritos “Ó da guarda!”
Vem a polícia
E a Luzia vai prá esquadra!
Augusto Pinheiro (pintor naif e poeta)

Augusto Pinheiro (Nisa, 22 de Agosto de 1905 — Nisa, 18 de Outubro de 1994) foi um pintor português.
Aos nove anos de idade foi para o Entroncamento, trabalhar numa fábrica de rolhas, e daí para Lisboa. Tornou-se empregado de escritório e, após ter trabalhado em várias empresas, estabeleceu-se por conta própria, fazendo negócio de exportação de produtos alimentares.
Já no tarde da sua vida (aos 66 anos), o comerciante que sempre se interessara por arte, resolveu meter-se a pintor. Sem ter preocupações em saber se era de um estilo ou de outro foi pintando à sua maneira, acabando por ser identificado por Mário Oliveira como pintura "naif".
Aquele arquitecto e crítico de arte viria a escrever na apresentação de uma das suas exposições do pintor ingénuo de Nisa "a autêntica arte naïf, nasce no campo anímico da inocência e da simplicidade", considerando-o sem dúvida "a nossa primeira figura dentro desta arte".
Augusto Pinheiro que nunca teve escola, tornou-se uma referência na pintura portuguesa dos nossos dias. Realizou numerosas exposições individuais e participou em inúmeras exposições colectivas.
Foram-lhe atribuídos alguns prémios, nomeadamente o Primeiro Prémio do XIV Salão Nacional (III Internacional) de pintura "naïf", por unanimidade do júri.
Foi-lhe atribuída a Medalha de Prata, pelo município de Nisa, aquando do feriado municipal daquela vila em Abril de 1987.
in wikipédia