Atrasos, inação e estratégias avulsas na política da água marcam final de um ano hidrológico dramático
Comemorou-se a 1 de Outubro mais um Dia Nacional da Água. Portugal, com uma Lei da Água desde 2005 (Lei 58/2005), não está a conseguir cumprir os compromissos europeus no âmbito da Diretiva Quadro que a referida Lei transpôs, havendo um incumprimento generalizado das tarefas que constituem o diploma legislativo aprovado pela Assembleia da República há seis anos atrás. Desconhece-se o rumo do Plano Nacional da Água e no que respeita à revisão dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, apenas três foram até agora aprovados (mas ainda não publicados), faltando nomeadamente concluir os de dois importantes rios internacionais – Tejo e Douro.
Por outro lado, assistimos a tendências na estratégia de investimentos do actual Governo que poderão ter impactes muito significativos e negativos nos recursos hídricos, como a insistência na prossecução do Programa Nacional de Barragens e a aposta na expansão do regadio em diversos tipos de culturas agrícolas. Estas estratégias em nosso entender, para além de terem impactes ambientais e económicos muito significativos, constituem uma aposta errada face aos cenários previstos num quadro cada vez mais dramático do impacte das alterações climáticas no nosso País, em que serão mais frequentes os períodos de seca prolongada.
A Quercus está ainda preocupada com a ineficácia no cumprimento de tarefas obrigatórias, como a fiscalização e a monitorização, pois devido aos constrangimentos financeiros, a rede nacional de monitorização da qualidade da água encontra-se bastante desfalcada, com grandes falhas nas medições e registos, havendo imensos casos de estações desactivadas.
Ao nível da gestão dos recursos hídricos, verifica-se um enorme atraso na definição adequada e justa de preços para as diferentes utilizações da água, disposição que foi imposta aos Estados-Membros pela Directiva Quadro da Água.
Um clima em mudança - Seca marcou ano hidrológico que agora termina
No final de Agosto, e de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, quase todo o território de Portugal Continental encontrava-se em situação de seca, com cerca de um terço do território em seca extrema (1% em seca normal, 13% em seca fraca, 13% em seca moderada, 40% em seca severa e 33% em seca extrema). Apesar de não terem ocorrido rupturas nas reservas de armazenamento de água das albufeiras, os impactes ao nível da produção de energia hídrica foram muito significativos, com a produção de energia hídrica a sofrer um decréscimo de cerca de 60%.
Estas situações de seca extrema serão, de acordo com as previsões da União Europeia para os vários cenários num quadro de alterações climáticas, cada vez mais frequentes no nosso país, o que torna necessária e urgente uma estratégia de adaptação às alterações climáticas que passe necessariamente pela adequação dos modos de produção elétrica, bem como dos modos de produção agrícola, sendo que as culturas a desenvolver deverão preferencialmente estar adaptadas a uma realidade de carência hídrica. A energia hidroelétrica e a produção agrícola baseada nos sistemas de regadio muito intensivos não podem pois constituir a única solução a implementar de momento e é necessário pensar mais além. Portugal não pode ficar dependente de estratégias baseadas em disponibilidades hídricas que, pura e simplesmente, podem não vir a existir num futuro já muito próximo e é necessário diversificar as fontes de produção, quer ao nível energético, quer ao nível alimentar.
Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA), aprovado em 2005 pela Resolução de Conselho de Ministros nº 113/2005 de 30 de Junho, continua sem ser aplicado. Apesar de o Governo ter apresentado uma actualização do PNUEA em Junho último, o mesmo carece de concretização, nomeadamente ao nível das suas fontes de financiamento e dos recursos humanos e materiais envolvidos.
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água é para a Quercus um dos principais instrumentos de gestão da água, na medida em que uma elevada redução da procura efetiva pode ser conseguida através de um conjunto de medidas envolvendo as entidades responsáveis pela captação e distribuição de água, bem como os consumidores finais dos diversos setores considerados. É conveniente lembrar que este é um processo com mais de dez anos de história, apesar da aprovação formal do Plano em 2005, que tem tido um custo social, económico e ambiental particularmente significativo em situações de seca, representando sempre um ónus evitável em termos económicos (água e energia), para o país.
O PNUEA agora apresentado carece também de alguma ambição, nomeadamente no sector agrícola, onde as metas apresentadas são de uma redução de apenas 5% até 2020 (correspondendo a uns meros 2,5% do presente até 2020, uma vez que já se obteve uma redução de 2,5% desde a sua publicação em 2005 até agora). Recorde-se que o sector agrícola é o grande consumidor de água em Portugal, sendo responsável por cerca de 80% dos consumos totais de água no nosso País, bem como a origem de inúmeros focos de poluição difusa com forte impacto nos nossos rios e albufeiras. A reconversão dos sistemas de regadio para sistemas de rega mais eficientes e com menores consumos deve constituir uma estratégia prioritária, a par com a introdução de condicionantes relacionadas com o uso da água nas medidas de financiamento da Política Agrícola Comum (PAC), neste momento em negociação na União Europeia.
Neste contexto, a implementação deste programa torna-se urgente, dado que para além de um contributo para a melhoria da qualidade de vida das populações e da produção dos setores agrícola e industrial, melhoram-se também as condições ambientais nos meios hídricos.
Planos de gestão de região hidrográfica – 3 anos de atraso
De acordo com a informação da Agência Portuguesa do Ambiente, os únicos planos aprovados (apesar de ainda não publicados em Diário da República) são os respeitantes ao Sado/Mira, Guadiana e Algarve, faltando rios muito importantes como o Tejo e o Douro. A execução destes planos deveria decorrer de orientações do Plano Nacional da Água cujo atraso ainda é maior. Os Planos deveriam estar todos concluídos em Dezembro de 2009, e no caso dos rios internacionais devidamente articulados com a Espanha. A Comissão Europeia advertiu Portugal já várias vezes pelo incumprimento da legislação comunitária, tendo inclusivamente instaurado mesmo um processo judicial por incumprimento junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual proferiu um Acórdão em Junho último, condenando o Estado Português.
Os planos de gestão de bacia hidrográfica são instrumentos de planeamento das águas que, visando a gestão, a protecção e a valorização ambiental, social e económica das águas ao nível da bacia hidrográfica. Uma das principais dificuldades que a Quercus antevê, é o desenvolvimento dos programas de medidas e acções previstos para o cumprimento dos objetivos ambientais, programas esses que estarão devidamente calendarizados, espacializados, orçamentados, e cujas necessidades de financiamento são muito elevadas, não se sabendo se conseguirão ser concretizadas no atual ambiente de fortes restrições.
Plano Nacional da Água – 2 anos de atraso
O Plano Nacional da Água é o instrumento de gestão das águas, de natureza estratégica, que estabelece as grandes opções da política nacional da água e os princípios e as regras de orientação dessa política, a aplicar pelos planos de gestão de bacias hidrográficas e por outros instrumentos de planeamento das águas.
O Plano Nacional da Água deveria ter sido concluído em 2010 e as perspectivas do mesmo estar terminado este ano e com a qualidade exigida não são as melhores. Numa primeira fase, a elaboração do plano foi adjudicada a diferentes empresas externas para cada um dos tópicos em análise. Verificou-se uma grande falta de informação de base para o avanço dos trabalhos e para proporcionar a interligação entre as áreas, sendo que os objectivos do plano, acima de tudo de natureza estratégica nacional no que respeita às várias componentes da política da água (uso sustentável, economia da água, vulnerabilidades, articulação com Espanha), podem não vir a ser conseguidos. Atualmente a Quercus desconhece a estrutura organizacional do plano, aparentemente da responsabilidade do ex-Presidente do grupo Águas de Portugal, bem como a sua calendarização e apreciação pelo Conselho Nacional da Água.
Lisboa, 1 de Outubro de 2012
A Direcção Nacional da
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
A Quercus está ainda preocupada com a ineficácia no cumprimento de tarefas obrigatórias, como a fiscalização e a monitorização, pois devido aos constrangimentos financeiros, a rede nacional de monitorização da qualidade da água encontra-se bastante desfalcada, com grandes falhas nas medições e registos, havendo imensos casos de estações desactivadas.
Ao nível da gestão dos recursos hídricos, verifica-se um enorme atraso na definição adequada e justa de preços para as diferentes utilizações da água, disposição que foi imposta aos Estados-Membros pela Directiva Quadro da Água.
Um clima em mudança - Seca marcou ano hidrológico que agora termina
No final de Agosto, e de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, quase todo o território de Portugal Continental encontrava-se em situação de seca, com cerca de um terço do território em seca extrema (1% em seca normal, 13% em seca fraca, 13% em seca moderada, 40% em seca severa e 33% em seca extrema). Apesar de não terem ocorrido rupturas nas reservas de armazenamento de água das albufeiras, os impactes ao nível da produção de energia hídrica foram muito significativos, com a produção de energia hídrica a sofrer um decréscimo de cerca de 60%.
Estas situações de seca extrema serão, de acordo com as previsões da União Europeia para os vários cenários num quadro de alterações climáticas, cada vez mais frequentes no nosso país, o que torna necessária e urgente uma estratégia de adaptação às alterações climáticas que passe necessariamente pela adequação dos modos de produção elétrica, bem como dos modos de produção agrícola, sendo que as culturas a desenvolver deverão preferencialmente estar adaptadas a uma realidade de carência hídrica. A energia hidroelétrica e a produção agrícola baseada nos sistemas de regadio muito intensivos não podem pois constituir a única solução a implementar de momento e é necessário pensar mais além. Portugal não pode ficar dependente de estratégias baseadas em disponibilidades hídricas que, pura e simplesmente, podem não vir a existir num futuro já muito próximo e é necessário diversificar as fontes de produção, quer ao nível energético, quer ao nível alimentar.
Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA), aprovado em 2005 pela Resolução de Conselho de Ministros nº 113/2005 de 30 de Junho, continua sem ser aplicado. Apesar de o Governo ter apresentado uma actualização do PNUEA em Junho último, o mesmo carece de concretização, nomeadamente ao nível das suas fontes de financiamento e dos recursos humanos e materiais envolvidos.
O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água é para a Quercus um dos principais instrumentos de gestão da água, na medida em que uma elevada redução da procura efetiva pode ser conseguida através de um conjunto de medidas envolvendo as entidades responsáveis pela captação e distribuição de água, bem como os consumidores finais dos diversos setores considerados. É conveniente lembrar que este é um processo com mais de dez anos de história, apesar da aprovação formal do Plano em 2005, que tem tido um custo social, económico e ambiental particularmente significativo em situações de seca, representando sempre um ónus evitável em termos económicos (água e energia), para o país.
O PNUEA agora apresentado carece também de alguma ambição, nomeadamente no sector agrícola, onde as metas apresentadas são de uma redução de apenas 5% até 2020 (correspondendo a uns meros 2,5% do presente até 2020, uma vez que já se obteve uma redução de 2,5% desde a sua publicação em 2005 até agora). Recorde-se que o sector agrícola é o grande consumidor de água em Portugal, sendo responsável por cerca de 80% dos consumos totais de água no nosso País, bem como a origem de inúmeros focos de poluição difusa com forte impacto nos nossos rios e albufeiras. A reconversão dos sistemas de regadio para sistemas de rega mais eficientes e com menores consumos deve constituir uma estratégia prioritária, a par com a introdução de condicionantes relacionadas com o uso da água nas medidas de financiamento da Política Agrícola Comum (PAC), neste momento em negociação na União Europeia.
Neste contexto, a implementação deste programa torna-se urgente, dado que para além de um contributo para a melhoria da qualidade de vida das populações e da produção dos setores agrícola e industrial, melhoram-se também as condições ambientais nos meios hídricos.
Planos de gestão de região hidrográfica – 3 anos de atraso
De acordo com a informação da Agência Portuguesa do Ambiente, os únicos planos aprovados (apesar de ainda não publicados em Diário da República) são os respeitantes ao Sado/Mira, Guadiana e Algarve, faltando rios muito importantes como o Tejo e o Douro. A execução destes planos deveria decorrer de orientações do Plano Nacional da Água cujo atraso ainda é maior. Os Planos deveriam estar todos concluídos em Dezembro de 2009, e no caso dos rios internacionais devidamente articulados com a Espanha. A Comissão Europeia advertiu Portugal já várias vezes pelo incumprimento da legislação comunitária, tendo inclusivamente instaurado mesmo um processo judicial por incumprimento junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual proferiu um Acórdão em Junho último, condenando o Estado Português.
Os planos de gestão de bacia hidrográfica são instrumentos de planeamento das águas que, visando a gestão, a protecção e a valorização ambiental, social e económica das águas ao nível da bacia hidrográfica. Uma das principais dificuldades que a Quercus antevê, é o desenvolvimento dos programas de medidas e acções previstos para o cumprimento dos objetivos ambientais, programas esses que estarão devidamente calendarizados, espacializados, orçamentados, e cujas necessidades de financiamento são muito elevadas, não se sabendo se conseguirão ser concretizadas no atual ambiente de fortes restrições.
Plano Nacional da Água – 2 anos de atraso
O Plano Nacional da Água é o instrumento de gestão das águas, de natureza estratégica, que estabelece as grandes opções da política nacional da água e os princípios e as regras de orientação dessa política, a aplicar pelos planos de gestão de bacias hidrográficas e por outros instrumentos de planeamento das águas.
O Plano Nacional da Água deveria ter sido concluído em 2010 e as perspectivas do mesmo estar terminado este ano e com a qualidade exigida não são as melhores. Numa primeira fase, a elaboração do plano foi adjudicada a diferentes empresas externas para cada um dos tópicos em análise. Verificou-se uma grande falta de informação de base para o avanço dos trabalhos e para proporcionar a interligação entre as áreas, sendo que os objectivos do plano, acima de tudo de natureza estratégica nacional no que respeita às várias componentes da política da água (uso sustentável, economia da água, vulnerabilidades, articulação com Espanha), podem não vir a ser conseguidos. Atualmente a Quercus desconhece a estrutura organizacional do plano, aparentemente da responsabilidade do ex-Presidente do grupo Águas de Portugal, bem como a sua calendarização e apreciação pelo Conselho Nacional da Água.
Lisboa, 1 de Outubro de 2012
A Direcção Nacional da
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza