21.3.12

TUDE DE SOUSA: A Serra do Gerez

Tude Martins de Sousa (Amieira do Tejo, Nisa, 17 de Janeiro de 1874 — Amadora, 16 de Julho de 1951) foi um dos maiores defensores e divulgadores da Serra do Gerês e da vida comunitária naquele espaço do território português. No Dia Mundial da Floresta ( não do eucalipto) reproduzimos um texto deste nosso conterrâneo, escrito em 1908.
Ao norte de Portugal, com ramificações para as províncias do Minho e Trás-os-Montes e fazendo em extenso percurso a linha que nos extrema da Galiza, está a Serra do Gerez, a que, por direito indiscutível, cabe, entre as montanhas do Paíz, um lugar primacial.
Abraçada pelo Lima, que corre de Espanha, entrando por Lindoso, e o Cávado que nela nasce, com filiações de origem comum nos montes de Larouco, banhando logo terras de Montalegre, tem por outros lados as povoações de Vilar da Veiga, Rio Caldo, Covide, S. João do Campo e outras mais a fechar perímetro, adentro do qual é ainda à Cordilheira do Gerez que pertence a série dos seus montes.
Notabilíssima como é, sob variadíssimos aspectos, é certo também que, conquanto conhecida de longas eras, não tem sido bastante percorrida nem trazida para a luz da publicidade que merece, a Serra do Gerez.
Em remotas eras, ou mesmo em mais próximas épocas, poderiam estacar ou retrair-se o interesse científico ou a simples curiosidade desportiva e de excursão, pela fama pouco convidativa e pouco crível, aliás, da existência de embaraços para afugentar os mais decididos, desde a presença do urso, de que se diz ter siso aqui morto o último em 1650, até à das neves eternas, por que ainda ninguém deu.
Apesar disso, em torno destas montanhas formou-se sempre uma tradição de encantos e riquezas naturais, que a tem vindo acompanhando e se conserva ainda, nos domínios de lendas pouco prováveis umas, e de realidades bem justificadas e bem mantidas, outras.
Os antigos diziam-na povoada de ricos depósitos de pedras e minerais valiosos, desde o ouro ao puro cristal de rocha, o que, se não é abundantemente certo, é até certo ponto verdadeiro, porque na Serra se encontram pedras apreciadas pelas suas formas e colorido, destacando-se alguns formosos cristais de quartzo e de feldspato, e havendo em Pitões o ferro magnífico; se outros elementos dignos de exploração nela existirem, como não repugna crer, ao futuro pertence mostrá-los na simples revelação de um caso ou propositada pesquisa de qualquer bem indicada probabilidade.
Já Link, o célebre naturalista que, de 1797 a 1799, excursionou em Portugal em explorações e estudos científicos, dizia que estes sítios seria visitados por gosto por todos quantos apreciassem as delícias de um bom clima e de uma formosa região; na passagem do Lima, vizinho da Serra do Gerez, as legiões romanas recusaram-se a prosseguir caminho, dando ao rio o nome de Lethes (esquecimento), e aos rios Homem e Cávado, no Gerez nascidos, o mesmo Link diz que se poderia adaptar o dito, pelo encanto que eles oferecem, fazendo esquecer as matas da Alemanha e da Inglaterra.
De facto, desde séculos que a fama das suas florestas ocupava nas tradições da riqueza lenhosa das nossas matas de formação e criação espontâneas um primacial e indiscutível lugar, afirmando-se que as suas madeiras indígenas eram de contextura e resistência por forma notáveis a tornarem-se aptas aos usos náuticos e outros, em construções de responsabilidade.
Assim, “o decantado galeão Santa Tereza” que acabou abrasado na batalha naval junto às Dunas, entre espanhóis e holandeses, foi fabricado com madeiras destas árvores.
Admirado da fortaleza desta madeira, que cuspia para fora as balas dos inimigos, escreveu o seu comandante a Filipe IV que as montanhas do Gerez deviam ter-se em grande estimação, pois produziam madeirame mais rijo e precisos que Bampache, Brasil, Índia, etc.
Tal conselho, porém, não foi ouvido, tornando-se, com o tempo, o Gerez florestal um valor desconhecido ou pouco apreciado, e a Serra, constituindo largas superfícies de baldios municipais, no usufruto de pequenas povoações vizinhas que, por seguirem um regime mais pastoril do que agrícola, entregavam ao fogo o revestimento herbáceo, queimando os matos, com sacrifício do arvoredo e destruindo este sem critério para o aproveitarem nos seus usos e negócios.
Tude de Sousa – Agosto de 1908