22.2.25

OPINIÃO: A batalha contra o cancro (outra vez)

 


A linguagem bélica repete-se sempre que alguém com notoriedade pública sofre uma doença oncológica. Várias intervenções sobre a morte de Pinto da Costa deram conta de que o histórico presidente do F.C. Porto “perdeu a batalha” contra o cancro. Em 2018 escrevi sobre a visão estigmatizante para as próprias vítimas que a expressão encerra, mas há temas a que vale a pena voltar, já que anos de notícias e maior abertura sobre a doença não mudaram significativamente o discurso público.

A incidência de cancro, dizem-nos os especialistas, vai subir 20% em Portugal até 2040. E têm sido insistentes os alertas relativos ao aumento de casos em pessoas com menos de 50 anos. Este é um desafio coletivo, na prevenção da doença como no tratamento. Da investigação à mudança de estilos de vida, dos fatores ambientais à eliminação de mitos e sombras que fomos construindo, são muitas as frentes de trabalho.

Num tempo de marcado individualismo, é ainda mais importante recordar que ninguém deseja um combate corpo a corpo com o cancro e não está, nem pode estar, sozinho nele. Quem morre devido a uma doença oncológica não luta menos do que quem sobrevive, nem ama menos a vida. Não se diz que alguém perdeu a batalha contra a diabetes ou o enfarte, mas por qualquer razão retrata-se uma vítima de cancro como alguém a quem faltou força ou vontade suficiente para sobreviver.

Não escolhemos muitos dos acontecimentos com que embatemos na vida, mas decidimos como agir perante eles. Fazemos a escolha realmente importante: como viver. Que valores nos guiam, que laços nos mantêm de pé, que raízes nos sustentam. A imagem da guerra assume que existem vencedores e derrotados, quando o que há é seres humanos com diferentes medos, necessidades e decisões sobre como viver com cancro. Pessoas inteiras, mesmo que os lugares-comuns as atirem ao tapete.

Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 19 fevereiro, 2025