5.2.25

OPINIÃO: Vigilância nunca é amor

É provável que o termo “stalkerware” não lhe diga nada ou lhe pareça vago e distante. Refere-se a programas ou aplicações móveis que permitem captar informação exaustiva de telefones ou computadores de outra pessoa. As funcionalidades variam muito, mas podem ir do registo da atividade na internet até à gravação de mensagens trocadas, passando ainda pela localização da pessoa vigiada. Se tudo lhe soa a ficção científica, a verdade é que a utilização deste tipo de ferramentas tem aumentado em todo o Mundo e em Portugal cresce cerca de 5% por ano. Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, afirma haver dados demonstrativos de que os jovens estão a usar este tipo de apps para vigiarem, em tempo real, onde está o outro. Há uma normalização de comportamentos abusivos, como se o ciúme autorizasse o controlo e este fosse uma prova de amor. Todos os anos, à medida que se aproxima o Dia dos Namorados, multiplicam-se os estudos sobre a violência no namoro. Os resultados estão longe de ser encorajadores e mostram mesmo subidas preocupantes na violência psicológica e na coerção sexual. Há ainda sinais de equiparação entre comportamentos femininos e masculinos no controlo e agressão, embora na violência sexual seja maioritariamente a mulher a vítima. Os números evidenciam que décadas de discussão pública sobre violência de género não têm ajudado a promover mudanças. Num único mês, desde início do ano, morreram pelo menos cinco mulheres em contexto familiar. E ainda assim os mais jovens vão perpetuando definições de amor que confundem relação com posse, compromisso com controlo, entrega com submissão. É preciso trabalhar mais na educação e na prevenção, desconstruir conceitos tóxicos e ensinar que o amor respeita integralmente o outro e a sua liberdade. A violência na intimidade nunca é privada. É uma doença que nos fragiliza coletivamente e (mais) uma demonstração da nossa incapacidade em entender que cada pessoa é um universo particular e sagrado. • Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 05 fevereiro, 2025 ** IMAGEM - Pintura de Augusto Pinheiro