2.3.21

OPINIÃO: Dependente de grandes multinacionais

O oportunismo acontece um pouco por todo o mundo e já originou demissões, inquéritos e alterações no plano de vacinação. Infelizmente já era esperado e não é por aqui, que estamos a falhar. Venham as vacinas e saberemos dar a volta a esta pandemia, pois o grande problema está no fornecimento. Isto revela a dificuldade da EU em produzir vacinas e outros produtos, muito por culpa da deslocalização para zonas de mão de obra barata, como é o caso da Índia (ex.: Pfizer, Moderna e a Sanofi-francesa).
Ouvimos falar de atrasos por parte da Pfizer-BioNTech e da AstraZeneca que vai falhar pela segunda vez, em que só entregará metade do que contratualizou com a EU. Entretanto a Moderna, também reduziu a entrega de vacinas. Por isso, Portugal arrisca-se a rever a calendarização e a falhar os objetivos.
Temos um futuro repleto de incertezas. As novas variantes colocam dúvidas na capacidade de se dominar esta pandemia que apareceu faz um ano. Todos estamos ansiosos pelo desconfinamento, mas exige-se cautela e um plano que falta. Outro dado preocupante, é a redução do número de testes em contraciclo com a União Europeia, apesar dos conselhos e das promessas. Devemos desconfinar, mas com segurança.
A percentagem de vacinados é muito baixa; estamos numa corrida contra o tempo, com muitas crises em aberto. Felizmente o número diário de mortes está a diminuir, mas os cuidados intensivos continuam elevados e o planeamento de testagem continua a ser uma incógnita.
O diretor executivo da AstraZeneca entrou numa guerra fria das vacinas ao mentir sobre as datas dos contratos onde prejudicou contrato com a União Europeia. Talvez se explique porque vai o Reino Unido tão embalado na vacinação e alinhado com Israel e os Estados Unidos, no desprezo para com outros países.
As burlas para fazer dinheiro com a pandemia, como a venda de vacinas falsas na internet, a posição gananciosa das farmacêuticas e o oportunismo, contrastam com os exemplos gratificantes de voluntários que procuram aqui e ali acudir a quem está a passar mal. Ao contrário temos uma maioria que se sacrifica em prol da humanidade, enquanto os movimentos negacionistas e anti vacinas são uma falha na engrenagem da solução.
No mundo, a vacinação universal está a anos de ser resolvida e o risco é global. António Guterres afirmou que é inadmissível que 10 países tenham mais de 75% da vacinação mundial, enquanto 130 países não receberam sequer uma dose. Os choques entre a ciência e a política denotam este processo de arrogância, imposição e promiscuidade absolutamente hipócrita. Exemplo disso foi o reforço das sanções a Cuba por parte da administração Trump, que atrasou a produção de uma vacina covid-19 (Sovereign 2) a sair em março.
Perante o imperioso interesse mundial de saúde pública, exigia-se que as patentes fossem públicas, porque muita investigação foi patrocinada com dinheiros públicos. A EU teve muitas culpas neste processo, ao não garantir direitos sobre as patentes que financiou, ficando refém da especulação das farmacêuticas que jubilam com os milhões de lucros, 30 mil milhões de dólares só em 2021.
Na Europa, por razões políticas e quando as relações não estão nada boas, não acedemos à vacina russa Sputnik V, mas o governo israelita até usou esta vacina como moeda de troca com a Síria, para garantir a libertação de uma jovem detida em território sírio e usa as vacinas para garantir representação diplomática da República Checa em Jerusalém. Enquanto isso, Israel, líder mundial no processo de vacinação, negou a vacina a quatro milhões de palestinianos que vivem nos territórios ocupados pelo invasor israelita.
Entretanto a China prepara-se para colocar “uma lança em África”, ao prometer ajuda nas vacinas a 19 países africanos. Isto acontece quando a União Europeia afirma que África é um parceiro fundamental. Afinal qual é a corrida que estamos a perder? Se não temos vacinas suficientes, como podem os europeus ajudar os africanos? Apesar dos atrasos e dificuldades, Marta Temido continua a garantir a entrega de 5% das vacinas aos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP).
A OMS não conseguiu ver na prática o seu apelo para que as patentes das vacinas fossem públicas. As farmacêuticas encostadas às clausulas lesivas, fazem contas aos milhões que vão ter de lucros e vendem a quem dá mais. O mundo está, continua impotente, dependente de grandes multinacionais.
* Paulo Cardoso - "Desabafos" / Rádio Portalegre / 26-02-2021 
** - Cartoons de Henrique Monteiro in https://henricartoon.blogs.sapo.pt