1.8.19

OPINIÃO: Não há golas que calem a verdade

O exercício de informar não se esgota na bipolaridade clássica de quem vê o mundo a preto e branco. Informar implica caminhar, muitas vezes, sobre territórios escorregadios. Mas o rigoroso apuramento dos factos, num ecossistema informativo onde tudo é repentino e sonoro, constitui uma demanda que nos força a uma cada vez mais vigorosa exigência. Porque no princípio, no meio e no fim, o nosso compromisso é com a verdade. Os factos. Sejam eles incómodos ou não. Informar é confrontar, questionar. Não apenas, mas sobretudo quem exerce o poder em nossa representação.
Ouvimos, há dias, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, reagir, de forma intempestiva, à primeira notícia do Jornal de Notícias sobre o malfadado caso das “golas da Proteção Civil”. Contexto: no âmbito do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, foram distribuídas às populações potencialmente no caminho do fogo 70 mil golas antifumo que eram tudo menos fiáveis. Nesse negócio, entregue a um fornecedor especializado em animação turística, o Estado português gastou 125 mil euros. Num ajuste direto. Disse o ministro Cabrita: “ A notícia é verdadeiramente irresponsável e alarmista".
Quatro dias após a primeira denúncia, já percebemos que não apenas a notícia do JN não foi nem irresponsável nem alarmista, como ajudou a desvendar uma teia de cumplicidades e incongruências em torno deste caso, as quais levaram já à demissão do adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil e chamuscaram (veremos se de forma fatal) o próprio Artur Neves, confrontado agora com graves incompatibilidades resultantes de negócios efetuados pelo filho com o Estado. Ora, e foi também na sequência desta investigação que foram tornados públicos outros casos suscetíveis dos mesmos males, envolvendo os ministros Pedro Nuno Santos e Francisca Van Dunem. A notícia era tão menos irresponsável ou alarmista quanto a Procuradoria-Geral da República anunciou ter ordenado a abertura de um inquérito à aquisição dos equipamentos. E o primeiro-ministro pediu à mesmíssima Procuradoria que esclarecesse o enquadramento legal destas ligações inflamáveis entre negócios públicos e familiares de governantes.
Mas pior do que tudo é constatar que as populações a quem foi confiado o material de autoproteção foram enganadas por uma manobra de marketing político. Culpar, por isso, o mensageiro não passa de uma fuga para a frente. Acusar muito e esclarecer pouco não apaga o rasto de uma armadilha que o Governo criou e donde comprovadamente não está a saber sair.
No Jornal de Notícias continuaremos a pugnar pelo exigente escrutínio dos poderes públicos, indiferentes aos estados de espírito deste ou daquele ministro. O nosso compromisso, como tem sido notório no acompanhamento rigoroso e aprofundado que temos dado a este caso nos últimos dias, é com a verdade. E, acima de tudo e de todos, é com os leitores que prezam a verdade.
Mas fazer jornalismo livre tem um preço. O do nosso trabalho e do seu contributo. Subscrever os nossos conteúdos pagos e as assinaturas (em papel e digitais) só fortalece este compromisso. E a relação com aqueles que confiam em nós.
Boas leituras,
Pedro Ivo Carvalho, Diretor-adjunto - Jornal de Notícias - 31/7/2019