Há circo, palhaço,
equilibrista e ilusionista. Há café de saco e farturas. Há carrocel que corre, corre, rodopia, rodopia, rodopia,
sobe e desce e nos deixa no mesmo sítio. Há carrinhos de choque – é cada choque c´até faz faísca!
Alti-falantes berram na guerra das audiências pr´a compradores conquistar.
Uns ocupam grandes
espaços e pagam-nos bem pagos, outros já não têm espaço, saem e ficam de fora.
Grandes, sempre são grandes!
O vendedor de banha de cobra entrou pelo Jardim
adentro e instalou-se. Perfeito conhecedor da psicologia dos homens, dos homens
que tudo fazem para mitigar os males, vende-lhes a cura e trata-lhes da saúde.
Atrai-os e encanta-os com a dita, com a cobra, fala-lhes dos males – da bexiga,
do coração, dos olhos, das simples dores de cabeça... fala-lhes de curas
milagrosas. Mostra líquidos que fervem sem haver lume e mostra fumos que sobem
sem haver fogo.
E a cobra?! Como é
grande, mete medo! Mas o homem domina-a, inspira força e saber. Sabe de
medicina, de cobras e de magia. O povo atrai e a “roda” aumenta com alguns nos
bicos dos pés. Lá vem a “banha” que não é muita, já se diz em voz baixa, mas
talvez chegue para todos.
- Tenham calma, não se
empurrem, não tenho muitos, mas chega para todos! Mais um para aquele senhor...
mais outro para aquele sujeito de bengala... mais outro...
E as pessoas simples,
honestas e trabalhadoras, cansadas de uma vida de trabalhos e de amarguras,
fartas do “mal”, acotovelam-se, esticam o braço com o papel (nota) na ponta dos
dedos calosos e recebem a promessa (caixa, frasco...) da cura.
Partem felizes!
Passados tempos,
descobrem que foram enganados. Os males persistem e o homem ficou-lhes com a nota. Prometem a si mesmos que para a
próxima farão contas com aquele aldrabão, porém têm a memória curta, os males
continuam e para a próxima será o mesmo, será de novo o encantamento – o
candidato promete, promete e os eleitores votam, votam nele.
Ah! Desculpem, estamos
a falar do vendedor de banha de cobra e
dos compradores de cura de males.
Pois é, escrevia sobre
a Feira.
Lá estava também o
homem dos retratos, o retratista. Retratista que passou à história, com esta
história, entre outras histórias.
Cabisbaixo, ficou
quedo, mudo e calado durante muito tempo. Não disse nada! Não tinha palavras. O
sorriso que o alimentava morreu-lhe nos lábios da esperança, a alma de herói
fugiu-lhe do corpo e o coração queria rebentar-lhe o peito, aquele peito forte
e férreo que aguentara os embates da cornadura rija do touro nas duras pegas de
caras.
Agora era diferente!
Tapou a objectiva da
máquina. Rodou-a meia volta.
Embrulhou a sua
objectiva no pano preto para a proteger das incidências dos raios solares e dos
reflexos exteriores e guardou-a, a bom guardo, nos espaços interiores do seu
eu.
Recolheu o fole. Fechou
o tripé. Arrumou o material.
Já de máquina às costas
e de balde na mão, ia-se embora sem nada dizer, mas voltou para trás para se
despedir, para se despedir assim, assim deste modo.
Assim o queriam, assim
mandavam, assim o mandavam.
Não haveria mais
retratos à lá minuta. Fizera bastantes. Os tempos mudaram. Agora queriam coisas
diferentes. Os tempos haviam mudado e os homens também. Em vez dos retratos à lá
minuta que fizera para o povo e que o encantara, queriam publicitar valores,
valores duvidosos, e vendiam-nos, vendiam-se. O tempo não perdoa e o tempo os
julgará!
Lembram-se? Era no
Jardim, ao lado do “repuxo”, lago que nos dias de Feira elevava o seu único
jacto, central, de água a grande altura. A criançada gostava de ver o lago, a água
a subir,a dançar no ar ao sabor do vento, a cair e a salpicar os desprevenidos.
Gostava de ver a água, os peixes vermelhos a nadar e as folhas e as flores dos
nenúfares a boiar.
Lá estava o homem que
tirava os retratos, o retratista, muito perto daquele que vendia a banha de
cobra.
O retratista tinha um
caixote de madeira empoleirado sobre três pernas de madeira. Num dos lados do
caixote havia um fole com um vidro redondo. No lado oposto havia uma espécie de
de saia preta por dentro da qual o homem metia as mãos para mexer em coisas que
tinha dentro do caixote e espreitava para dentro através de uma abertura que
tinha na parte de cima e onde encostava a cara.
Nós ficávamos à frente
do caixote, sob o olhar atento e embevecido das nossas mães, com um sorriso
maroto e quietos para não “tremer” o retrato. Depois o homem tirava um papel de
dentro do caixote. Lá estávamos nós, dizia ele, mas não podia ser, aquilo eram
fantasmas. O homem metia depois este papel com a cabeça para baixo, num suporte
à frente do vidro redondo. Metia novamente as mãos pela saia preta adentro,
tornava a espreitar por cima e tirava de lá mais um papel que metia dentro de
um balde com água.
Pouco a pouco, por
magia, nós aparecíamos nesse papel, mas mais pequenos. Era o nosso retrato. Tínhamos
tirado o retrato!
Era em Nisa, nos dias
de Feira, próximo do “repuxo”, no Jardim Municipal. A água subia, dançava e
descia, ao sabor do vento. O vendedor de banha de cobra começava mais uma sessão
e o homem dos retratos abalava.
José Dinis Murta – O Distrito
de Portalegre – 18/7/1997