23.3.15

M de Março e de Mulher (2)

A calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Não mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada,
coseu a roupa
Já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;

Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;

anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre, açodada,
galga o passeio,
desce a calçada
chega á oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
Puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta,
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta a toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
Sobe que sobe
Sobe a calçada.
António Gedeão in "Poesias Completas"
Desenhos de Manuel Luís Ribeiro de Pavia